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Quando Chove em Itiúba
SECA
Autor: Dourival Brandão Filho
E a terra ainda suada dos orvalhos matinais, já se enxugava com o abrasar do sol
que surgira feito facho de fogo incandescente por detrás das serras.
Estalava a vagem do calumbi, caiam sementes num silencioso barulho até o
solo, era tarde, o céu avermelha-se, azula-se, formando um cinza crepuscular,
parecia que ia chover. As cigarras cantavam e suplicavam ao céu que chorasse
sobre os vossos piedosos cantos.
E choveu, já era verde, o vento tempestivo trazia o euforizante odor do cio da
caatinga, do incessante roçar das folhas no bailar das árvores e se misturavam
ao cheiro de mato, feridas arbustivas e da terra molhada, embriagando o tempo.
Açudes sangravam, rasgavam-se véus de cataratas, ressurgiam então as
muralhas de lindas serras até então adormecidas, esperando as chuvas que lhes
davam a cor do verde feltro bilhar e se mimetizavam camaleonicamente de cinza
pálido e azul noturno.
As grotas vertiam e choravam cristais de espelhos que se gelatinizavam
formando limos coloridos como se fossem aquarelas.
Começavam as olimpíadas dos riachos, concorrendo quem chegar primeiro aos
sedentos lagos secos, e quando cheios, não sossegavam com a alegria do
mergulhar dos sapos a coaxar IARA, pulando para canguru nenhum botar
defeito.
Sobre as árvores abriam-se cortinas de voais de samambaias a apresentarem o
novo cenário do tempo: lajedos coroados por gravatás e bromélias
característicos do semiárido nordestino.
O mandacaru coberto por véus de aranhas abria sua fruta erótica em vermelho
bispo a respingar geleia sobre a grama verde já traçada por veredas de pés
humanos que passavam para as roças, aproveitando o fecundo tempo para o
plantio, formando assim, encruzilhadas sobre a pipa verde.
Surgiam girinos, piabas e traíras e nadavam sob as águas cristalinas vindas
entre os meandros de riachos a viajarem afins.
Orquídeas azuis de juncos d’água, cobriam temporários pântanos que ornavam
com lençóis de golfos a forrar os lagos.
Começavam as revoadas das andorinhas e pardais frenéticos sobre os galhos das
árvores, montando palanques para sinfonias e cantos, acrobacias e beleza. E o
céu de carbono azul noturno, matizado de gema e clara de lua e nuvem,
ostentava sobre o cintilar das estrelas a lua que por ali passava apressada.
Morriam bichos, muitos bichos, aeroportos de urubus se instalavam a
aterrissarem sobre carcaças e corpos de animais vitimados pelo farto tempo de
chuva, vento e sol.
E ainda chovia, surgiam lamas de patês achocolatados, avermelhados,
esbranquiçados de acordo com as tabatingas cromais e quando secas, pareciam
nescafés solúveis ou outros cromatográficos que desciam a tinturar as águas
correntes, levado os cristais de areias crocantes tal suspiro ou broa aos pés
humanos.
Raposas selvagens farejavam presas entre os verdes matos de ervas e coentros
aromáticos que ventilavam odores convidando a galinha caipira a ciscar
minhocas. Dinossauros mirins sob forma de lagartixas e calangos balançavam as
cabeças em cima dos lajedos, confirmando sua gratidão ao tempo.
Quirópteros cantores voam à noite como se fossem dragões, papagaios e
periquitos cortavam o céu, eram verdadeiras bandeiras voadoras, coisa para
encher os olhos de qualquer observador da natureza.
Micos eram verdadeiros macacos, macacos eram verdadeiros gorilas a
dançarem nos galhos das árvores com inteligências condicionadas até onde o
código genético os permitisse chegar.
Cobras e escorpiões rastejavam, exércitos de formigas armadas com foices de
folhas verdes cortadas perfilavam para levarem o alimento as tocas prevenindo
o sustento do inverno e se apressavam devido ao escasso tempo entre uma
chuva e outra.
A mulher se espantava com o tamborilar dos pingos fortes das chuvas, batendo
cadenciadamente sobre os tambores de couros esticados das vítimas de gatos e
teiús abatidos pelo caçador sobre as harpas de malvaríscos que quentavam o sol.
Reflorescia o mato, com a cor matizada das flores vermelhas, amarelas, violetas
e se espalhavam como cerejas sobre a glace. Os colibris estroboscópicos
sobrevoavam as flores e sugavam-lhes as seivas, fecundando os frutos.
Aí vinha o rearbustar da caatinga que reflorescia com rapidez e vigor num
brilhante verde sumo.
O galo cantava dobrado no terreiro, o rato-de-palmatória escalava a mesma para
construir seu ninho no topo, o bem-te-vi pegava a borboleta que por ali passava
solitária, a prisilina dava voos rasantes com acrobacias no ar, para pegar insetos
que ali voavam.
Era tempo de festa, a natureza procriava em todos os sentidos: animais
engordavam, cadelas ciavam, porcas roncavam, já estão fartas de uma alegria
temporária, sintomática dos sertões brasileiros.
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