ÍNDICES
-AÇUDES, RIOS, RIACHOS, TANQUES E CACIMBAS
-ADMINISTRAÇÃO E AUTORIDADES MUNICIPAIS
-APARELHOS, INSTRUMENTOS E UTENSÍLIOS
-BAIRROS, RUAS, PRAÇAS E LADEIREAS
-CASARÕES E PRÉDIOS HISTÓRICOS
-CIRCOS E PARQUES DE DIVERSÕES
-CLUBES, BANDAS E FILARMÔNICAS
-CRENÇAS, RELIGIÕES E SUPERTIÇÕES
-ESTABELECIMENTOS E EMPREENDIMENTOS COMERCIAIS
-ESTRADA DE FERRO, ESTAÇÃO, TRENS
-FENÔMENOS E CATÁSTROFES NATURAIS
-ORIGENS, HISTÓRIA E PROGRESSO
-PERSONAGENS POPULARES E COMUNS
Blog
A Foto da Ponte do Alto
SAUDADE E LEMBRANÇAS
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

Quando eu ainda fazia parte dos “mais novos” de Itiúba, costumava dizer, como faziam “os mais velhos”, que conhecia minha cidade “de cabo a rabo”. E eu conhecia mesmo, cada cantinho, da Calçada de Pedra à Cacimba do Vintém, da Rua das Piabas à Rua do Fato. Detalhes que ainda trago na memória: rua por rua, casa por casa, morador por morador. Para qualquer visitante perdido, eu tinha as direções na ponta da língua. “Quer chegar à Rua das Piabas?”, perguntavam. Minha resposta era rápida: “Siga em direção ao Riacho do Béu, passe pela Rua dos Cambecas, onde há uma cisterna antiga, já sem uso, suba a pequena ladeira logo à frente e estará lá.”
Para quem buscava a Rua do Fato, bastava indicar: “Ela fica entre a Rua da Estação e a Fazenda do Estado.” Era simples, e minha certeza vinha de anos de caminhadas, brincadeiras e vivências. Mas os anos passaram, e com eles veio a mudança. Saí de lá e, com o tempo, raramente voltei. Hoje, ao olhar as fotos recentes, não consigo reconhecer os lugares onde vivi tantos momentos e que um dia identifiquei até pelo cheiro.
Sim, pelo cheiro, pelo som e pelo toque. Cada esquina, cada rua tinha sua marca sensorial peculiar: um aroma que narrava histórias, sons que ecoavam memórias e texturas que eram tão familiares quanto o rosto dos amigos. Mas o progresso, com suas promessas e transformações, mudou tudo. E essa constatação sempre me faz lembrar de um antigo candidato a deputado que, em seus discursos de eleição, repetia: “O cheiro de Itiúba vai mudar, será, para sempre, o cheiro do progresso.”
Esse progresso, porém, não foi tão grande quanto prometido. Mas o cheirinho especial das ruas, inesquecível, foi embora. Hoje, o que se sente é o odor das descargas das motos, do asfalto e até de outras coisas que não convém mencionar. Até os nomes das ruas mudaram. Prestaram homenagens aos ilustres filhos da cidade, e essas honrarias são justas. Porém, esqueceram de preservar os nomes tradicionais que, por si só, contavam histórias. Beco da Faca, Rua do Galo Assanhado, Rua do Calumbi, Rua da Cacimba Funda, Rua da Estação, Rua da Matança e tantas outras mereciam, ao menos, um lugar nas placas urbanas, acompanhados do novo nome e da inscrição “antiga Rua Tal”.
Agora, deixemos os nomes para voltar ao motivo principal deste texto: a foto que não reconheci. Era uma imagem recente da Ponte do Alto, que tantas vezes atravessei para visitar meu avô Manoel, pai do meu pai. Lá, também estavam as casas dos meus tios Osvaldo e Belo, sempre moradores do Alto. Era também o caminho para a roça do meu pai, ao lado da Cacimba do Vintém, onde havia plantação de sisal e onde, todas as tardes, os jegues, carregados com barris de água vendida pela cidade, descansavam e se alimentavam após longas caminhadas sob os cuidados do aguadeiro.
Todos os anos, nas sextas-feiras da Paixão, a Ponte do Alto era palco de uma peregrinação. Centenas de pessoas cruzavam a ponte rumo à Serra do Cruzeiro, numa demonstração de fé e devoção. Eu também fazia esse percurso. Subia a serra todos os anos, mais por prazer do que por penitência. O prazer de testemunhar a fé do meu povo, de reencontrar amigos, colegas, namoradas e de participar daquele momento único. Era impossível não se deixar atrair pelo famoso bocapiu do Teia, com suas bebidas alcoólicas, oferecidas generosamente pelo anfitrião aos amigos.
E tantas lembranças me vêm que eu me perco do tema inicial: a foto que não reconheci. Até meu irmão teve dúvidas, questionando se a imagem realmente era da Ponte do Alto. A dificuldade veio do ângulo escolhido pelo fotógrafo, que capturou a vista do Alto para a Ponte, em vez do oposto. Isso confundiu quem, como eu, já não via o local há muito tempo. No entanto, após investigar, percebi que, sim, era ela. A velha Ponte do Alto, carregada de histórias, lembranças e saudades.
Ah, Ponte querida! Lembro-me de quando, ainda criança, com cinco ou seis anos, sentava-me nela, com as perninhas balançando rumo ao riacho. Lá, paciente, lançava meu anzolzinho, feito de alfinete, nas águas que só apareciam em tempos de chuva, quando a represa não conseguia conter toda a água que descia da Serra e sangrava, inundando o riacho.
Hoje, ao olhar para o passado, apenas digo: Ponte, Riacho, Alto, Cruzeiro, Itiúba... Saudades eternas. Obrigado.
Navegação
IR PARA O ÍNDICE DAS CRÔNICAS SAUDADE E LEMBRANÇAS
Comentários
(0) Comentários...