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A Foto da Ponte do Alto

SAUDADE E LEMBRANÇAS
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

A Foto da Ponte do Alto

 

Quando eu ainda fazia parte dos “mais novos” de Itiúba, costumava dizer, como “os mais velhos”, que conhecia minha cidade “de cabo a rabo”. Eu conhecia tudo mesmo, da Calçada de Pedra a Cacimba do Vintém e da Rua das Piabas a Rua do Fato, detalhe por detalhe e, em alguns casos, rua por rua, casa por casa e morador por morador. Quando um visitante me perguntava o que devia fazer para chegar a Rua das Piabas, por exemplo, a resposta era imediata: siga em direção ao Riacho do Béu, passe pela Rua dos Cambecas, onde existe uma cisterna velha, já sem uso, logo à frente suba uma pequena ladeira e estará lá. Já quando a indagação era sobre a Rua do Fato, bastava dizer que ela ficava entre a Rua da Estação e a Fazenda do Estado. Depois que saí de lá, por falta de tempo, raras vezes voltei. A cidade cresceu, tudo mudou e hoje eu vejo fotos recentes e não reconheço os lugares onde tantas vezes passei e que antes seriam por mim reconhecidos até pelo cheiro. Sim, pelo cheiro, pelo som e pelo tato. Cada lugar tinha seu cheiro peculiar, seu som exclusivo e seu toque diferente. Hoje tudo mudou e essa constatação me fez lembrar de um candidato a deputado, que sempre conseguia alguns votos por lá, repetindo um discurso que fazia nos anos de eleições, dizia: - o cheiro de Itiúba vai mudar, vai ser, para sempre, o cheiro do progresso. O progresso prometido não foi tanto, mas, o cheirinho das ruas, especial e inesquecível, infelizmente, desapareceu. O que se sente agora é o cheiro das descargas das motos, do asfalto e até de outras coisas que não convém falar. Até os nomes populares das ruas mudaram. Prestaram uma merecida homenagem aos ilustres itiubenses, é verdade, mas, esqueceram de manter os nomes tradicionais que sozinhos já diziam tudo sobre o local que representavam. Beco da Faca, Rua do Galo Assanhado, Rua do Calumbi, Rua da Cacimba Funda, Rua da Estação, Rua da Matança e tantas outras, mereciam, pelo menos, serem incluídas nas novas placas urbanas, nem que fosse logo abaixo do novo nome, com a observação: antiga Rua Tal.

Mas, vamos falar da foto que não identifiquei. Era uma foto recente da Ponte do Alto que tantas vezes atravessei para ir à casa do meu avô Manoel, pai do meu pai, que lá morou até morrer. Ia, também, ficavam as casas dos meus tios Osvaldo e Belo, que sempre moraram lá. Ia, também, à roça do meu pai que ficava ao lado da Cacimba do vintém que tinha plantação de sisal e era onde todos os dias, à tarde, os jegues que transportavam água em barris vendida em toda a cidade, eram levados, pelo aguadeiro, para se alimentarem e descansarem das longas caminhadas que faziam, durante o dia todo, das fontes às casas, das casas às fontes.

Todos os anos, nas sextas-feiras da Paixão, centenas de pessoas passavam pela Ponte para subirem, em penitência, a íngreme Serra do Cruzeiro e eu, claro, também fazia esse mesmo percurso e, em alguns anos, até duas vezes no mesmo dia. A verdade era que eu subia a serra todos os anos, mais por prazer do que por penitência. Pelo prazer de observar e participar daquela manifestação da fé do nosso povo e, também, pela alegria de encontrar-me com os amigos e amigas, com as namoradas, com os colegas da escola e do ginásio, em situação e ambiente diferentes. Também tinha a atração do famoso bocapiu do Teia com várias bebidas alcoólicas que eram distribuídas gratuitamente aos amigos do patrocinador; que era o próprio.

Mas, me vêm tantas lembranças que eu sempre acabo fugindo do assunto que motivou a criação deste texto, a foto onde eu não reconheci a Ponte do Alto e que até meu irmão chegou a achar que, talvez, nem fosse de Itiúba, embora logo depois a reconhecesse como a Ponte do Alto. O fotógrafo, sem querer, tornou a identificação mais difícil ao tirar a foto do Alto para a Ponte e não desta para o Alto. O resultado foi que quem há muito tempo não via o local, mesmo que desconfiasse que aquela era a Ponte do Alto, achava que aqueles prédios e ruas desconhecidos, também ficavam lá e a confusão era formada. Foi isso que aconteceu comigo até eu descobrir que a posição real do fotógrafo era a inversa. Sei que a velha Ponte de tantas histórias, que um dia contarei, acabará me perdoando ao lembrar-se daquele garotinho que, com cinco ou seis anos, nela sentava-se com as perninhas viradas para o riacho e, pacientemente, começava a jogar o seu anzolzinho, feito de alfinete, nas águas que só apareciam quando chovia muito e a represa não suportava tanta água que descia da Serra de Itiúba e sangrava.

Para finalizar, apenas vou dizer: Ponte, Riacho, Alto, Cruzeiro, Itiúba, 

Saudades… Obrigado!

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