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Serviço de Alto-falantes

RÁDIO CULTURAL
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

Serviço de Alto-falantes

 

Com doze anos ouvi o discurso do então Presidente Vargas declarando guerra ao “Eixo Alemanha/Itália”. A transmissão não era nítida. Chiava e estalava como se uma chuva forte estivesse acontecendo no Rio de Janeiro – local da sede de Governo Federal. Ao relembrar a fala histórica ouvida através do Rádio–Receptor do senhor Manoel Pinto, é bom destacar outra curiosidade: a casa estava cheia e sempre que alguém se entusiasmava e o barulho não permitia ouvir as palavras do Presidente Vargas, solenemente, o dono da casa levantava e pedia silêncio. De imediato era atendido e aquele discurso entremeado de ruídos estranhos tornava-se audível. A curiosidade do povo itiubense por muito tempo manteve aquela audiência cativa.

Outra novidade que guardo alguns fiapos de lembrança era a vitrola RCA de propriedade do senhor Belarmino Pinto de Azeredo, adquirida na sua primeira viagem ao Rio de Janeiro a negócio. Reproduzia as músicas gravadas por meio de um disco de vinil, que girava graça a manivela externa. Logo esse disco recebeu o apelidado de “bolachão”. Fascinava os velhos e os jovens com suas músicas extraídas por uma agulha de aço com ponta fina, que deslizava nos sulcos abertos no disco e, pelo constante atrito, tinha de ser substituída a cada dez minutos de uso.

Vamos esquecer as dificuldades e novidades da era Vargas e falar um pouco sobre o primeiro Serviços de Alto-Falantes. Quem trouxe a novidade foi o “Parque Island” armado na Praça 7 de setembro, que desapareceu para dar lugar à agência do Banco do Brasil. Perdemos a única grande área livre no centro da cidade. Quem ganhou foi o Banco, que mudou sua agência para a Avenida Getúlio Vargas e ganhou dinheiro vendendo a antiga sede e o terreno que recebeu de graça da Prefeitura local. Coisa que só acontece em Itiúba. Perdura até hoje a curiosidade popular por que não doou os valores recebidos, visto que a serventia da cessão terminou. Em seguida apareceram os circos que mandavam para as ruas os seus “palhaços de pernas de paus” ou palhaços montados num jegue com a frente do corpo voltada para trás, para anunciar suas atrações. Com o tempo, além do palhaço, percorria as mesmas ruas um carro velho, com um só alto-falante, um amplificador e um microfone. Fazia sucesso, pois usava uma espécie de corneta barulhenta e o locutor improvisado, anunciava os encantos que só circo itinerante sabia explorar para atrair o povo para seus espetáculos.

Em 1949, quando Itiúba era uma cidade com pouca expressão econômica, precisamente no dia onze de junho, uma instituição sem fins lucrativos, de caráter apartidário e social-recreativa denominada Sociedade Rádio Cultural de Itiúba, instalou o que se podia chamar divulgador das novidades, com anúncios comerciais e porta-voz do cidadão itiubense. A primeira Diretoria era assim formada: Diretor-Presidente Carlos de Souza Pires, Diretor-Gerente Humberto Pinto de Carvalho, Diretor-Secretário Osvaldo Ferreira Campos, Diretor-Tesoureiro João Clímaco de Matos e Diretor-Artístico Sandoval Martins Manciola. Os primeiros locutores foram Osvaldo Campos, Sandoval Manciola e Humberto Carvalho. Logo surgiram outros abnegados como Antonino Soares, Hildete Rodrigues, Benedito Medeiros (o Wilson Danilo), Edmar, Manoel Carlos, Fernando Carvalho, Hugo Carvalho, Almir e muitos outros.

A “Rádio Cultural” passou a ser o ponto “chique” da cidade. Havia reuniões, programas de sorteios e a inesquecível “AVE MARIA” às 18 horas, coincidente com as badaladas do sino da igreja matriz. São momentos que marcaram uma época. São coisas imateriais que nós; coroas, gostaríamos de reviver. O destaque coube ao Programa de Calouros que entre outros animadores se destacou Edvaldo Pinto. Era usado um cesto de cipó em forma de cone pendurado sobre a cabeça do candidato a cantor. Quando o calouro errava a letra ou desentoava a música, o animador do Programa soltava o cesto que cobria o rosto do “gongado”. Outra atração era a Hora da Criança, com animação de Sandoval e posteriormente Hildete, que antecedeu as “xuxas”, “angélicas” e ”elianas” nas tardes de domingo. As famílias subiam a escada e participavam do ambiente acolhedor. Os pais da garotada ao chegar informavam os nomes e idades dos filhos e aguardavam a chamada para cantar, dançar, imitar. Como sempre havia aplausos e vaias dos presentes. O importante mesmo era estimular o gosto da meninada para as artes. Não havia aquela coisa de premiar o melhor. Todos os inscritos, desde que participassem do Programa, voltavam para casa com uma lembrança. Para a manutenção da aparelhagem e compra de discos havia somente duas fontes de rendas: os anúncios comerciais, avisos de festas, missas, batizados, casamentos e a “oferta desta música vai para fulano que sicrano manda”. Como não havia maldade e censura prévia, muitas vezes aconteceu que “o alguém destinado à música” agradecida em código como: “para você que não esqueço”. Tempos bons e inocentes. Com o desaparecimento das atividades da “Rádio Cultural”, por necessidade, O Cine-Itiúba ocupou o seu espaço, para poder anunciar seus filmes. Logo criou o seu próprio serviço de alto-falantes. Quando a Rádio Cultural entrou em declínio irreversível e finalmente fechou, o único serviço disponível era o do Cinema, que se adaptou as novas necessidades. Voluntariamente os mesmos locutores passaram para o Serviço de Alto Falantes do Cine-Itiúba. Surgiram novos e bons locutores, como o Zezito, Isnar, Cardioli, Zai. Sei que estou esquecendo muitos nomes importantes. Peço desculpa. São passados mais de 50 anos. Fica a promessa que este assunto e outros já fazem parte dos rascunhos do livro provisoriamente intitulado” A terra em que nasci” com histórias contadas por muitos itiubenses sobre o Torrão Natal. Uma pesquisa já mostrou que os admiradores desta linda Itiúba, tão maltratada, com suas avenidas ocupadas com quiosques, toldos de lona espalhados pelas calçadas, num desrespeito ao cidadão residente é um desafio ao bom senso. Que Deus ilumine os novos dirigentes municipais. Quem sabe, possam descobrir que para embelezar a cidade de Itiúba o custo-benefício compensa. Hoje vemos o embelezamento das cidades vizinhas como Queimadas, Filadélfia e Ponto Novo e podemos comparar o descaso que chegamos. Nossa beleza natural é cantada em versos e prosas. Seus filhos e visitantes comentam e clamam por solução desta fase de desprezo e abandono. Sei que não é possível, porém, gostaria de ouvir o Conjunto formado por Nino, Zé de Cirilinho, Pedrinho e outros executando o prefixo musical e o locutor anunciar: “Entra no ar o Serviço de Alto Falante da Sociedade Radio Cultural de Itiúba – A Voz da Cidade – através da sua ampla e potente rede de som diretamente de seus estúdios situados no Edifício Belarmino Pinto – 1º andar – na Avenida Getúlio Vargas esquina com a Praça da Matriz”.  

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