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A cidade tinha muitos engraxates. Na frente dos bares, esses profissionais dedicavam-se com afinco para que os sapatos dos fregueses ficassem "brilhando como um espelho", como gostavam de afirmar com orgulho. Entre eles, dois nomes se destacavam de forma singular: o Piolho e o Ioiô.

O Piolho era um homem de presença marcante – alto, forte e de voz potente –, que encantava a todos com seus “causos”. Sempre que iniciava uma de suas narrativas, costumava proclamar: "Eu agora faço como o outro..." Esse lema era a abertura que preparava a plateia para histórias que misturavam exagero e humor. Aproveitando o momento, o velho Aurélio, figura sempre presente, logo replicava em tom jocoso: "Quando será que o Piolho vai fazer alguma coisa como ele mesmo?" Essa troca, repleta de ironia e carinho, refletia a maneira cativante e irreverente com que ele contava suas aventuras.

O Ioiô, por sua vez, era o engraxate que encontrava refúgio nos momentos de espera enquanto cuidava dos sapatos dos clientes. Durante esses períodos, dedicava-se a jogar sinuca no bar, mesmo sem ser um jogador talentoso – e, consequentemente, as derrotas eram mais frequentes do que as vitórias. Inicialmente, ele tentava disfarçar suas fraquezas marcando no virote uma pontuação maior do que realmente fazia, mas logo era descoberto e forçado a corrigir os números.

Impulsionado pelo desesperado desejo de vencer, Ioiô desenvolveu uma tática engenhosa e sutil. Em vez de simplesmente inflar seus próprios pontos, passou a adotar a estratégia de retirar pontos do adversário, que ficava absorvido em conferir a própria pontuação. Essa manobra, batizada de “marcar piano”, funcionava de maneira astuta e, por um tempo, permitiu-lhe surpreender seus concorrentes. No entanto, como toda artimanha, essa estratégia veio a ser descoberta, e Ioiô, inevitavelmente, retornou àquele papel de eterno perdedor.

Esses personagens, com seus modos únicos de agir e falar, eram verdadeiros retratos da criatividade e irreverência que coloriam a vida no interior. Mais do que apenas engraxates, Piolho e Ioiô representavam o espírito descontraído e bem-humorado de uma comunidade que, entre lances de sinuca e causos contados, encontrava alegria nas pequenas travessuras do dia a dia.