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Sargento Amorim

PESSOAS
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

Sargento Amorim

 

Os meus contemporâneos do tempo da Escola Góes Calmon devem lembrar do Velho Amorim que residia, com sua mulher D. Maria, no começo da subida da Serra do Cruzeiro, logo após a ponte sobre o Riacho do Coité que corta toda cidade no sentido sul-norte. Ele contava para nós, jovens curiosos, sua participação na Guerra de Canudos. Lembro que repetia: - Sou sobrevivente da Revolução de Canudos. Nunca pronunciava a palavra “Guerra”. Dizia que participou como voluntário e seus feitos foram reconhecidos pelas autoridades e contribuíram para suas promoções, de soldado para Cabo e após Cabo para Sargento da Gloriosa Polícia Baiana. Não cabia a nós, ouvintes entusiastas, duvidar de nada. Mas, um episódio que era corriqueiro nos idos de 1940/50 provara que ele era exímio atirador de fuzil, o popular “papo-amarelo”. Por falta de medidas preventivas, era comum surgir em plena via pública da cidade, um ou mais cachorros arruinados (hidrófobos), que ameaçavam toda população. Quando menos se esperava aparecia o Velho Amorim, com seu fuzil na mão, e, com tiro certeiro, eliminava o perigo, para alívio de todos.

Também tinha sua versão do final da Guerra de Canudos que resumia assim: - Não havia por parte dos seguidores do Beato Antônio Conselheiro a selvageria que falavam. O que havia era muito medo dos mistérios atribuídos ao sertão baiano e total ignorância da topografia da região por parte dos Comandantes Militares. Como os jagunços conheciam, como a palma de suas mãos, todos os caminhos, grotas e riachos, com seus parcos recursos dificultavam a marcha da tropa e, ao mesmo tempo, espalhavam as falsas notícias das suas vitórias. Quando o Velho Amorim se entusiasmava e começava a ficar vermelho, lá vinha D. Maria, com um copo com água e açúcar. Pedia que ele encerrasse a conversa, prometendo que outro dia voltaria a contar a sua verdade.

O destino interrompeu a trajetória desse homem que morreu sem concluir suas narrativas como testemunha dos acontecimentos por ele vividos. Tudo que se sabe a respeito da Revolução, como o Sargento Amorim chamava, e da Guerra, narrada pelos vencedores, deve está faltando um pouco da verdade conhecida pelas pessoas que enfrentaram os perigos ocorridos nas batalhas sertanejas. Todos os sábados, dia da feira livre, D. Maria do Amorim, armava a sua barraca de comida, entre o corte da estrade de ferro e o largo da Igreja Matriz. Era um ponto de referência para quem gostava de comida caseira e boa. Minha mãe era freguesa habitual das suas iguarias. Com os meus 13 anos já trabalhava no Armazém do Seu Pedro Oliveira. Minha folga para ir à casa almoçar, nunca era antes das 14 horas. Ao chegar a minha casa, recebia a incumbência da minha mãe: - Meu filho, volte e peça a Maria dois pratos completos, um para mim e outro para você. A comida aqui acabou. Apareceram minhas comadres e compadres, que não eram esperados, e comeram tudo. Nunca esqueci esses fatos que mostram quanto era sagrada a boa vizinhança e o respeito entre as famílias.

Acho que chegou a hora das autoridades do município prestarem uma homenagem a esse grande soldado que era itiubense por sua livre escolha. Chegou, viveu e, por certo, terminou seus dias planejando como contar a São Pedro o restante das suas histórias verdadeiras, principalmente como sobreviveu para contar os horrores de uma guerra entre irmãos baianos, provocada por motivos religiosos de uma notável condutor nascido no Ceará e finalizada com um banho de sangue cujos reais motivos nunca foram esclarecidos totalmente.

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