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Antônio Motta

PESSOAS
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

Antônio Motta

 

Na década de quarenta chegava a Itiúba, a convite do empresário Manoel Pinto, dono da usina geradora de energia elétrica da cidade, o técnico Antônio Motta Filho, acompanhado do seu ajudante que se chamava Coelho. Eu morava quase na mesma rua do meu tio Manoel Pinto e isso facilitava a aproximação com os seus filhos, meus primos Manoelito, Enock e Aloísio. Por intermédio deles fiquei sabendo que o Sr. Motta foi contratado para trabalhar na recuperação do velho equipamento gerador de energia elétrica movido a lenha (vapor). Não tinha idade para acompanhar o que isso representava. Fato é que, mesmo com a competência dos novos técnicos, o sistema não produziu energia elétrica suficiente para atender a demanda da cidade que crescia e carecia de um grupo gerador mais potente e confiável. Fechada a velha “usina da luz”, para que os habitantes da sede do município não ficassem sem energia elétrica, o outro meu tio, Belarmino, irmão do tio Manoel, apelou para o Governo Estadual e, num arranjo político, conseguiu um “conjunto diesel” com gerador moderno com capacidade de produção de energia exagerada para a Fazenda Experimental de Ovinos e Caprinos do Estado que ficava localizada distantes dois quilômetros da cidade.

Como tudo estava combinado, o “conjunto” forneceria energia elétrica para as casas dos empregados da Fazenda do Estado e a sobra iluminaria a cidade de Itiúba. Como se nota, naqueles tempos os políticos cumpriam suas promessas. Durante poucos anos o Sr. Motta, que residia na cidade, se deslocava diariamente de bicicleta para a Fazenda do Estado a fim de acionar o motor-gerador e manter o seu funcionamento das 18 às 22 horas. Quando as despesas com combustível, pessoal e peças para reposição começaram a crescer à medida que envelheciam os equipamentos, mais uma vez surgiu a ideia salvadora: transferir todo equipamento da Fazenda Experimental para a cidade e a Prefeitura assumiria todos os encargos. Assim, o Sr. Motta passou a condição de funcionário público. Conheceu, nessa época, Judite Barbosa, a Secretária do Prefeito e, sempre repetiu, foi o seu único amor.

Com a transferência começava a maior dor-de-cabeça de todos os Prefeitos de Itiúba. Motor quebrado era sinônimo de despesas extras. Quando o velho grupo-gerador já entregava os pontos, mais uma vez Itiúba foi salva da escuridão. Chegava à cidade a rede de energia elétrica vinda de Paulo Afonso. O sonho de todos os itiubenses e vinha atender as preces do Prefeito Zeca do Cândido, o felizardo que terminou o seu mandato sem preocupação com as despesas provocadas pelo antigo grupo-gerador da marca Caterpillar. Aqueles jovens, Motta e Coelho, que lá haviam desembarcados há anos, não abandonaram a missão inicial. Trabalharam por mais de vinte anos para que não faltasse “luz” em Itiúba. O Coelho ficou pouco tempo na cidade. Retornou a Alagoinhas, sua terra natal, casou e quando a saudade apertava ele embarcava no trem e chegava a Itiúba com mulher e filhos. Conversava, comia a farinha que sempre dizia ser a melhor do sertão, contava o dinheiro do bolso e se despedia dos amigos, prometendo voltar. O Motta montou uma oficina “pau para toda obra”. Atendia carros, bicicletas, motocicletas, motores a gasolina, fazia grades de ferro, consertava fechaduras, armas e mais e mais. Não sabia cobrar os seus serviços profissionais. Tinha por norma atender o cliente para depois perguntar se podia pagar. Nunca arranjou dinheiro para comprar um carro velho, o seu sonho de consumo. Quando se aposentou, passou a trabalhar para melhorar a Igreja Matriz. Construiu a escada de ferro que liga o térreo à torre. Fez um coreto de madeira e ferro. O único coreto móvel que se tem notícia. Quando chegava 8 de dezembro, dia de N. S. da Conceição, Padroeira do Município, o coreto era empurrado para a entrada do viaduto que fica sobre a estrada de ferro que corta a cidade no sentido sul-norte. Lá permanecia até terminarem as festas. Também construiu um carrossel, com a intenção de cobrar ingressos em benefício das obras da Igreja. Infelizmente, no dia da inauguração, por excesso de peso, sua estrutura não suportou a invasão dos entusiastas pela novidade e partiu ao meio. Não houve vítimas, mas para o Sr. Motta a frustração fez com que, pela primeira vez na sua vida, pronunciasse um discurso prometendo recuperar a sua obra.

Todos que conheceram o Motta sabiam das suas manias e da sua bondade. Sempre aconselhava os seus auxiliares a terem cuidado com as ferramentas de uso diário na sua oficina. Pela manhã contava as ferramentas e distribuía uma a uma para cada serviço. A tarde recolhia tudo. Quando encontrava alguma com sinais de queda no chão, não perdia a ocasião e dizia: - Tenha cuidado, pois, se você estivesse trabalhando num navio, esta ferramenta estaria perdida no fundo do mar. Depois do noivado de mais de vinte anos casou com D. Judite Barbosa. Não tiveram filhos. Considerava-se itiubense. Tinha como distração tocar violino. Não era um grande músico. Sempre que tinha oportunidade, tocava o seu instrumento nas festas da Sociedade 2 de Julho, na igreja, na procissão e nas quermesses. Ganhou o seu violino um apelido que não faz jus ao seu dono: a muriçoca.

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