Não há cidadezinha no interior da Bahia que não seja lar de personagens únicos – uma verdadeira casta de indivíduos excêntricos, oriundos tanto das ruas locais quanto de municípios vizinhos, que se misturam à sociedade e, com suas singularidades, garantem a sobrevivência e o charme da comunidade. Em Itiúba, esses personagens abundam, e a seguir conto apenas alguns dos mais inesquecíveis:
Vicente – Também Conhecido como Xuxa e Garapa Vicente era um verdadeiro espírito livre, um excêntrico que nunca causava mal a ninguém. Para se alimentar, ele percorria as roças próximas em busca de madeira para lenha. Juntava enormes feixes e, com uma força admirável, os carregava em suas costas até as casas residenciais onde, frequentemente, se reunia para almoçar ou saborear um café da manhã. A imagem das enormes cargas despertava espanto e sorrisos por onde passava. Entretanto, os donos das roças reclamavam: a madeira, retirada das cercas que delimitavam seus terrenos, provocava prejuízos consideráveis.
Sulu – O Andarilho de Roupas Empilhadas Diferente dos demais, Sulu não morava em Itiúba, aparecendo apenas ocasionalmente. Durante aproximadamente oito dias, perambulava pelas ruas com seu visual inusitado: vestia várias roupas sobrepostas e enfeitava a cintura com canecos e panelas de metal. Apaixonado pelo improviso, ele divertia a todos imitando os sons de rádios AM mal sintonizadas, com suas descargas e interferências. Sempre impulsivo, Sulu contava com entusiasmo histórias sobre uma suposta namorada, Popozinha, de uma cidade vizinha chamada Cansanção.
Donzelo – O Velho Solteirão de Temperamento Exigente Morador solitário, Donzelo era um velho que, apesar de sua aparente tranquilidade, perdia a paciência quando ouvia seu nome ser gritado em tom exagerado – “Donzelo!” – pelas crianças e adolescentes das ruas. Essa reação, sempre acompanhada de um olhar de irritação, marcava sua personalidade sensível e singular.
Cantu e seu Alter Ego "Cantu Capão" Cantu era conhecida por sua fala mansa e seu andar sereno enquanto percorria as ruas da cidade. Contudo, bastava que alguém a chamasse de “Cantu Capão” para que ela se transformasse, revelando um temperamento bem diferente do que se via em seu comportamento habitual.
Cândido – O Sentimental Injustiçado Cândido tinha uma peculiaridade que acendia sua ira: ele não suportava ser apelidado de “Calango”. Qualquer desvio com esse nome era suficiente para fazê-lo perder a calma, demonstrando o quão sensível era em relação à sua própria identidade.
Beijá – O Romântico Incorrigível e Seus Juramentos Inusitados A cada ano, uma ou duas vezes, Beijá se declarava apaixonado – mas sem nunca revelar por qual pessoa. Depois, iniciava uma canção de sua própria autoria cujo refrão, inusitado e provocativo, dizia: "Vou chupar melancia com açúcar para me envenenar..." Conta-se que, na única vez em que visitou Salvador, assim que desceu do trem, ele se deparou na estação ferroviária com um garoto vendendo pinhas. Achando que, na capital, as frutas eram baratas como em sua terra, chamou o menino e começou a devorar as pinhas, sentado na calçada. Quando a conta finalmente chegou, Beijá teve que desembolsar todas as suas economias – chegou até a ficar devendo. Para retornar, recorreu aos conterrâneos que passavam por lá, trocando favores pela passagem de trem, e naquele exato momento fez um juramento solene: "Nunca mais eu chupo pinha!"
Feijão Cru – O Mendigo Seletivo Conhecido como Feijão Cru, este personagem percorreu as ruas pedindo esmolas, mas com uma peculiaridade: jamais aceitava qualquer oferta que não incluísse feijão cru. Seu hábito singular e irreverente despertava sorrisos e comentátios em quase todas as casas por onde passava.
Paoco – O Orgulhoso Descalço e Força na Medida Certa Paoco era venerado por sua convicção de nunca ter calçado um sapato em toda a sua vida. Orgulhosamente descalço, ele se tornava motivo de admiração ao transportar diariamente sacos de até 60 quilos, levando-os dos depósitos aos armazéns, sempre com uma eficiência e alegria que somente as figuras do interior conseguem demonstrar.
Além dessas personalidades, o encanto da cidade se revelava ainda pelos exóticos jeitos de se vestir e pelas histórias nebulosas contadas em tom de brincadeira sobre supostas namoradas e viagens. Esses personagens, com suas atitudes e modos irreverentes, não apenas coloriam o cotidiano, mas também reafirmavam que, mesmo nas menores cidades, a riqueza da cultura popular se manifesta nas almas livres e autênticas dos seus moradores.
Essa narrativa não só preserva o humor e a autenticidade dos personagens, mas também eterniza a forma única como o interior baiano transforma o ordinário em extraordinária peça de cultura e tradição. Se quiser conhecer mais histórias ou explorar outras facetas dessa rica tradição, há sempre algo novo a descobrir na memória e nos relatos de Itiúba.