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Imaginem

ORIGENS, HISTÓRIA E PROGRESSO
Autor: Egnaldo Paixão

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Machado de Assis, num dos seus belos escritos, tem uma frase assim: "mudou o Natal, ou mudei eu?", parafraseando-o, eu me pergunto: "mudou Itiúba, ou mudei eu?". Creio que a indagação, é de fácil resposta: mudou Itiúba e eu também mudei. Claro. A pessoa é uma em cada etapa da vida, embora a essência seja a mesma. A essência, costumo dizer ser o menino, a menina que fomos.

Hoje, por exemplo, sou um menino de cabelos brancos, vivido e sofrido, amado e desamado, pai de três filhos, com uma história de vida, que só interessa a mim mesmo. Um menino que adorava tomar banho de rio, riacho, cacimbas e açudes. Que passava tardes inteiras contemplando a vida, sozinho, na Laje Grande, deitado à sombra de uma pedra enorme. Um garoto, que aos nove anos, tomou os primeiros contatos com a música, através dos Mestres Evilázio e Bugué, e não mais se apartou de um trompete, prá quê? Eu, hein? Um menino, que foi várias vezes a um lugar chamado Garapa, no topo de uma de nossas serras, beber em uma cacimba de minação, na esperança de que, em vez de água, tomaria garapa. Sou o menino velho que foi mal, péssimo aluno da Escola Góis Calmon e depois passou a tirar as melhores notas. Esse menino vem mudando de fisionomia com o tempo e vem ficando, ora mais amargo, ora mais dócil, alegre e triste. Claro, que o menino, com isso, vem tomando formas diferentes, pensando diferente. E Itiúba, da mesma forma, vem mudando. Para pior, ou melhor? Confesso, que fico confuso, quando penso nisso. Olhem, o quanto é ruim viver numa cidade do sertão brabo, sem saneamento, sem luz elétrica, sem telefone residencial, sem celular, sem televisão, sem internet, sem água tratada, sem condições de ter carro próprio, sem médico, sem banco... Pois, eu conheci esta Itiúba, sem as condições de conforto citadas. A comunicação era precária, só existiam os Correios e Telégrafos. Transporte, só o Trem da Leste. Escola, só a Góes Calmon, de primeiro grau. Médico, só Dr. Antônio Gonçalves, de Senhor do Bonfim. Luz, era de fifó. Petromax, só para os ricos. Nós, pobres, tínhamos que nos contentar com a luz de candeeiro a querosene. Quantas noites sapequei o cabelo debruçado e viajando na lição de solfejo que tinha que apresentar ao Mestre Bugué no dia seguinte?! Água de beber, vinha de trem do Catuni. Água de gasto comum, vinha da Cacimba do Vintém. Água de minação, era preciso ir à cacimba 4:00h da manhã, porque a minação era escassa... à tarde havia o engraçado bolo da cacimba funda, muitas mulheres para pouca água, que também minava. A cacimba era murada e controlada pela prefeitura. "Seo" Paulino Matos, fiscal de prefeitura, ficava encarregado de abrir a cacimba, e fazia isso sempre às cinco horas da tarde, quando muitas, muitas mulheres já estavam com suas latas grandes entrincheiradas na porta da cacimba. Era o "home" abrir a porta e o pau quebrava. Todas querendo, a uma só vez, entrar cacimba à dentro, cacimba de bojo profundo, acimentada, e por pouco também não jogavam Paulino na cacimba com as latas... anos depois, pensando nessa briga diária, de barulho ensurdecedor, fiquei desconfiado que as mulheres que ali se postavam desafiando a autoridade de Paulino Matos, usavam, muitas, aquele momento como uma válvula de escape. Faziam com as latas, com o fiscal e com a porta estreita que quebravam quase toda tarde, o que gostariam de fazer com os maridos, mormente os raparigueiros que não perdiam uma noitada alegre nas 7 casas... (leia-se: puteiro escancarado no coração de Itiúba, que coisa!!!). Uma das poucas diversões não pecaminosas que a cidade dispunha, era o Cine Itiúba. Antes, foi o Cine Ideal do Manoel Pinto, que só conheci o prédio em ruínas. Depois do cinema, era preciso esperar pela volta do circo.

Conheci Itiúba, quando a rua da Nair, poeta, estudante do Colégio Ari Silva e saxofonista, era conhecida pela alcunha de Rua do Chamego, depois é que mudaram, para Rua dos Artistas, porque lá moravam e trabalhavam artesãos. O pai do Dermé, que toca sanfona, fabricava vinho. Dona Carmosa (remanescente), é funileira. Banga, (que não era político) tinha um fole movido à lenha, trabalhava com a transformação do ferro. Bicudo, pai do Bicudinho, era fogueteiro. Antônio Mota, também trabalhava na transformação do ferro, a oficina dele ficava onde hoje é a loja do Nininho de Cansanção. Seo Né, tinha tenda de cabelo na ruazinha estreita. Seu Ezequiel, da mesma forma e era sapateiro. Bugué também fazia e consertava sapatos por lá. Justifica-se o nome. Mas, por que antes era chamada de RUA DO CHAMEGO? Chamego, significa namoro quente, sensual...

Conheci Itiúba, quando o clube Cultural União 2 de Julho, funcionava socialmente bem e tinha filarmônica. Havia na cidade um serviço de Alto Falantes igual ao GPS Publicidade. Fico confuso numa coisa: o progresso não existia, com as maravilhas de hoje, nem transporte, nem telefone, nem internet, nem celular, médico, escolas de segundo grau, luz de Paulo Afonso, televisão, nada. Mas, a vida simples do povo itiubense, rica em criatividade e alegria, compensava a falta. Itiúba era feliz. Aos domingos, jovens, mulheres e homens iam esperar, na estação. o trem passar, pouco antes das dez da noite. Todo mundo bem-vestido, bem penteado, passeando para lá e para cá, até a hora que o trem chegava e prosseguia viagem. Os jovens, dançavam colados quase todas as noites no salão da Rádio Cultural. Quase todo domingo, grupos e mais grupos organizavam pequeniques, iam à fazenda do Estado, Açude do Jenipapo ou para outros campos. O carnaval no clube 2 de julho era cheio de plumas e paetês. Ah! Clarinda Carvalho, onde estás, morena e linda? O carnaval de rua, era cheio de criatividade. A benção, Artur Teixeira! A bênção, Teia. Os dois faziam a festa, vestidos de mulheres, cada uma com suas características "lindas" e originais. As Derrubadas não resistiriam ao exame de DNA, são "filhas" das duas, com certeza! A Rádio Cultural, (a benção, Hugo Carvalho, meu amigo Fernando, e Humberto), organizava programas de calouros, maravilhosos. A Hora da Cesta, a Hora da Criança. A bênção, Sandoval Manciola! Os Ternos de Reis da Tapera, a Banda de Pífanos de lá, as dançarinas, movimentavam a cidade com suas coreografias ingênuas e belas. A bênção, Joana do bode. Como esquecer, o Boi da Tapera, e a Mulinha? A benção, ferroviário João Martins. Numa palavra: as pessoas que viveram em Itiúba, no tempo em que esta era ainda Arraial, depois Vila e Cidade Independente e até os anos 70, mais ou menos, tiveram que criar suas próprias diversões, desenvolver seus espaços de lazer, fomentar suas manifestações culturais. Apoio do poder público? Nem pensar.

Lembro-me de uma batucada que participei, no início dos anos 60. A vestimenta, os aparatos e o instrumental, foi tudo adquirido pelo esforço de cada componente. Muitos gatos foram roubados e sacrificados nas madrugadas mornas de Itiúba. Segundo os entendidos, o coro do bichinho dava um ótimo som de tamborim. Muitos exibiram seus troféus ilícitos: "este, era o de lá de casa. Este, o gato mimado de minha sogra, a velha tá desconfiada que o "assassino" sou eu"... Tudo muito diferente hoje. Agora, basta ligar a televisão, para que as nossas casas sejam invadidas pelas grandes redes de televisão com seus lixos diários, seus enlatados, completamente avessos à nossa realidade, posto que, como bem assentou Charles Chaplin, no discurso de O grande Ditador: "precisamos mais de seres humanos que de máquinas". As grandes festas de massas, no Brasil, tornaram-se oficiais. Um verdadeiro culto generalizado à vaidade de alguns políticos desonestos e manhosos, que, afinal, tiram, alguns, até proveito e muito da situação.

Fico confuso e não sei. Mas, julgo que mudamos para pior. No progresso, no conforto, tudo bem. Avançamos muito. Felizmente. Mas, como pessoas, não sei. O que tem de menino/menina por aí em profundo desajuste na família, na escola e na sociedade, dá mesmo para preocupar. E não é só em Itiúba. Imaginem a pobreza de uma terra, que deixou demolir até o Coreto da Praça. Imaginem!

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