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Contadores de Histórias

ENGRAÇADAS
Autor: Herbert Pinto de Carvalho

Contadores de Histórias

Tenho que começar explicando que entre o conversador e o mentiroso existem diferenças sutis. O primeiro quer apenas matar o tempo. O segundo quer demonstrar ser bom de prosa e não liga para as horas gastas com causos supostamente verdadeiros. Conheci, quando garoto em Itiúba, um senhor pertencente a uma família tradicional que atendia pelo apelido de Xaxã. Vestia um paletó bem-talhado que mantinha sempre abotoado. Camisa branca de punhos dobrados que demonstrava o seu bom gosto. Quando se aproximava de qualquer grupo de pessoas, ficava calado e pacientemente aguardava sua vez para falar. Contava logo alguns acontecimentos com muitos fatos duvidosos, mas, ele no final sempre era o galã, o pacificador, o cara que estava acima de tudo e de todos. Fazia uma pausa ensaiada para desesperos dos ouvintes, mesmo daqueles sabedores das lorotas costumeiras. Alguns, mesmo assim, acreditavam que a história poderia ter acontecido.

Para ilustrar conto um clássico do Xaxã: ele sempre dizia ser exímio montador de burro bravo, nunca caiu da sela e, até aquele momento, não encontrara nenhum animal que não domasse. E emendou contanto que certa ocasião foi à Fazenda Poço do Cachorro para amansar uma burra que até então nenhum montador permanecera por mais de dois minutos no seu lombo. Chegando à porta da casa anunciou estar ali para montar no animal, não cobraria nada e sua vontade era mostrar que faltou homem macho para o “mister”. Tomou café com os seus parentes. Falou que arranjou emprego, porém, não aceitou, pois, a vida em liberdade é melhor. Preparada a mula para ser montada, parou, fez o sinal da cruz e, contrito na fé que tinha em Deus, passou a perna pelos arreios e gritou para os homens que seguravam o animal: - Solta!!! Quando todos ali presentes esperavam que o bicho disparasse ladeira a baixo, aconteceu o contrário. Parou, deu para andar para trás e rapidamente correu para frente em zigue-zague e deu um pulo assustador. Xaxã não caiu e quando dominou a situação logo desmontou com um sorriso estampado no rosto vermelho, anunciando que ao esporear a burra ouviu uma voz dizer que daquela altura iria direto para o céu. Não caiu, nem subiu, no salto ele apenas enxergou a Santa Cruz do Monte Santo, que, é bom que se diga, ficava distante setenta quilômetros da dita Fazenda e naquele instante dramático, como homem temente a Deus, pediu perdão pelos seus pecados, embora, sua consciência como cristão puro que não mentia, não desejava a mulher do próximo, sentiu que a mula tocara os pés no chão e mais que depressa arrematou: - parece mentira mais é a pura verdade…

Noutra ocasião contou que foi caçar com uma espingarda de encher pela boca,, com uma vaqueta (um tirante de ferro que serve para recarregar o tiro com pólvora, bucha e chumbo). Quando chegou ao Açude do Jenipapo encontrou outro caçador que se chamava Né e era barbeiro na cidade. Os dois ficaram nas “esperas” (espécie de esconderijos a beira da água). Como os patos estavam demorando a chegar, resolveram conversar. Então o Né, que morou no sul do estado, disse que em Itabuna, tinha um valentão tão forte que nunca encontrou quem ganhasse uma briga com ele. E narrou que, como todo mundo tem seu dia de mingau, logo apareceu um sujeito magro, desdentado e desafiou o grandalhão. Ninguém acreditou e a turma do deixa-disso tentou afastar o magricela da praça. Ele saiu e voltou. Traiçoeiramente deu um tapa nas costas do grandão. Este virou e com a mão aberta acertou um murro no pescoço do magrinho que a cabeça do coitado passou por cima da cidade de Ilhéus gritando de dor... ai, ai, ai. Xaxã nada falou. Ouviu e concluiu que o outro estava debochando e retrucou que ia voltar para casa, pois, os patos não voltariam àquele local, acrescentando que no dia anterior matou todos com um só tiro. Levantou e quando ia se afastando o Né gritou: - Explique-me melhor. Como um só tiro? Então retornou ao acontecido e explicou que como estava com pouca munição, aguardou que os dez patos que nadavam tranquilamente enfileirassem cabeça com cabeça e quando achou conveniente colocou a vaqueta no cano da espingarda e disparou. Notando que nenhum pato levantou voo, foi lá na beirada do açude e verificou que os patos estavam mortinhos da silva. Pegou a vaqueta pelo meio com cinco patos de cada lado e desfilou pela cidade entrando pela Rua dos Artistas até a Rua da Estação. É pura verdade, embora pareça mentira. Dizia ele...  

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