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Volto a falar sobre o paciente e laborioso jegue. Para quem nasceu e cresceu no interior da Bahia, não há dúvida: o nome certo e único para esse grande colaborador e companheiro do sertanejo é jegue – e não jumento ou asno. Embora essas outras designações não estejam tecnicamente erradas, foi sempre como jegue que o chamamos, e não há motivo para mudar agora, apenas porque o papel do animal já não é tão central como antes.

Naquele tempo, ele era o único meio de transporte disponível para os moradores do interior do município. Sua principal função era levar os produtos agrícolas até a feira livre, realizada aos sábados na avenida principal da cidade. Na manhã do dia da feira, era comum ver dezenas de jegues chegando ao local, com os seus caçuás carregados até a borda de frutas, farinha, feijão, legumes, galinhas, perus, porcos e outros produtos que compunham a abundante e acessível feira local.

No fim do dia, quando a feira terminava, os caçuás dos jegues eram preenchidos novamente – agora com as compras feitas por seus donos nos estabelecimentos comerciais da cidade. Como a quantidade de mercadorias compradas era menor e mais leve do que a trazida para venda, era comum que os proprietários voltassem montados nos jegues, que haviam passado o dia inteiro pacientemente amarrados em alguma cerca nas proximidades.

Havia ainda os casos curiosos daqueles que, após venderem seus produtos, aproveitavam para beber um pouco além da conta. Muitos voltavam para casa dormindo em cima dos jegues, que, com seu senso de costume e familiaridade com o trajeto, levavam os donos de volta para suas residências sem qualquer dificuldade, percorrendo o caminho que conheciam de cor, semana após semana.

Um dos locais onde os jegues costumavam ficar amarrados era o terreno nos fundos da casa do meu pai, na Rua Cel. Manso Sampaio. Dezenas de animais ficavam ali presos à cerca do terreno da casa paroquial, sem comida ou água durante todo o dia. Era uma cena típica, reflexo das condições daquele período.

Havia um senhor chamado Santana, conhecido por sua grande quantidade de jegues. Ele utilizava os animais para transportar areia, barro, cimento, pedras, tijolos, adobes e outros materiais de construção. Como não parecia ter um local específico para guardá-los, deixava-os soltos à noite pelas ruas da cidade. No silêncio da madrugada, era comum ouvir o som dos chocalhos ecoando por toda parte.

Quando os jegues envelheciam e já não suportavam o peso das cargas, o destino era cruel: eram abandonados à própria sorte, vagando pela cidade em busca da vegetação que crescia nas ruas de terra.

Minha mãe, sempre empreendedora, aproveitava as oportunidades do cotidiano para ganhar um dinheiro extra. Ela contratava homens, conhecidos como aguadeiros, que usavam jegues para transportar água das cacimbas próximas para residências e estabelecimentos comerciais da cidade, enchendo barris que supriam as necessidades locais.

Outro momento inesquecível eram as corridas de jegues, realizadas nas tradicionais festas de largo. Esses eventos sempre garantiam boas risadas. Havia quase sempre um jegue que, assustado com a multidão e o barulho, teimava em não sair do lugar na hora da partida, para o desgosto do cavaleiro – ou seria jegueiro? – que se tornava alvo das brincadeiras e gozações do público.

O jegue também ganhou destaque na cultura brasileira através da música de Luiz Gonzaga. Em uma de suas belas composições, ele proclamou sem rodeios: “o jegue é nosso irmão”. E de fato, o jegue foi um fiel companheiro do homem do campo por muitos anos. Contudo, quando perdeu sua importância funcional, foi relegado ao abandono pelos mesmos “irmãos” a quem serviu tão fielmente. A situação chegou ao extremo de o animal ser sacrificado para que sua carne fosse vendida a japoneses, que, segundo diziam, a transformavam em comida para cachorros e a exportavam para o mundo inteiro. Em Senhor do Bonfim, cidade vizinha, existia um desses matadouros, que quase exterminou a espécie na região.

A afirmação de Luiz Gonzaga é uma metáfora poderosa, simbolizando a conexão profunda entre o homem do campo e o jegue. Mas a verdade é que o jegue merecia mais respeito e apreço, mesmo após ser substituído pelos veículos motorizados que transformaram o cenário rural.