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Itiúba a Rapadura e o Padrinho

DIVERSOS
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

Itiúba a Rapadura e o Padrinho

        

A rapadura tem uma origem que remonta aos Açores e/ou às Ilhas Canárias, onde surgiu no século XVI como solução para o transporte de açúcar em porções individuais. Na época, o açúcar granulado tinha o inconveniente de umedecer e melar facilmente, tornando a rapadura uma alternativa prática e durável. Feita da cana-de-açúcar, ela é não apenas saborosa, mas também mais nutritiva do que o açúcar granulado. Seu nome tem uma origem curiosa: deriva do processo de raspagem das camadas espessas de açúcar que se fixavam às paredes dos tachos utilizados na produção.

No Brasil, o Nordeste consolidou-se como o principal produtor e consumidor de rapadura, e Itiúba, mesmo sem contribuir na produção, destacava-se como uma grande consumidora. Na cidade, havia estabelecimentos especializados que vendiam exclusivamente rapaduras, como as casas dos Srs. Pedro Ramiro e José Prata. Além dessas, a feira livre dos sábados era repleta de vendedores oferecendo rapaduras de diversos tipos. Por ser mais barata do que o açúcar granulado, a rapadura tinha amplo consumo, servindo como substituta em doces, café, sucos e sobremesas. Nas áreas mais pobres, sua combinação com farinha de mandioca era uma alternativa que frequentemente substituía refeições inteiras.

A rapadura também teve um papel especial em minhas memórias de infância. O Sr. José Prata, nosso vizinho na época, ainda sem filhos, demonstrava grande afeto por mim. Ele costumava me presentear com pequenos mimos e, sempre que eu passava perto de sua casa comercial, não falhava em me oferecer um pedaço de rapadura serenta, a mais saborosa de todas.

Lembro-me bem da época do meu batismo, quando meus pais me deram a liberdade de escolher o padrinho. Sem hesitar, escolhi o Sr. José Prata. Após a cerimônia, alguém me perguntou o motivo de minha escolha, e eu respondi com a sinceridade infantil que só as crianças possuem: — Porque ele me dá rapadura! A surpresa foi geral, inclusive do próprio padrinho. Não foi pelo cuidado e atenção constantes, nem pelo último presente recebido — um lindo terninho que eu usava em aniversários ou nas raras ocasiões de tirar fotografias, momentos especiais na época. Minha escolha se deu, simplesmente, pelos deliciosos pedaços de rapadura que ele me oferecia.

Aquela resposta espontânea e despretensiosa simboliza a pureza dos pensamentos infantis, que, com o tempo, parece se perder em meio às complexidades da vida adulta.                                                                  

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