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Um Veneno de Mulher

CURIOSIDADES
Autor: Ivan Lemos de Carvalho

Um Veneno de Mulher

 

Seu nome era Pedro Cajá. Não, não era esse o nome dela, claro. Pedro Cajá era o marido. E, além de brabo, também era notável – o maior dos caçadores que Itiúba já vira desde sua fundação, assegurava seu compadre Raimundo Manoel de Carvalho, “O Barateiro”, um grande amigo e fã de Cajá e meu primo, que Deus o tenha. Pedro Cajá morava no Bonsucesso. Em certa época cuidou simultaneamente do sítio de Raimundo na Fazenda Capoeira (antes, retalhada, hoje monopólio do ortopedista Paulo Roberto Simões Lobo, outro querido primo). Depois, Cajá mudou-se para a cidade, onde residiu na Rua da Cacimba Funda. Matava onças a tiro ou as capturava em armadilhas. Foram muitas, diz a lenda, pois ele era uma lenda. Certa vez, pegou uma suçuarana, que não é lá essas coisas na estirpe das onças, mas é uma onça, queiram ou não. Levou-a sábados seguidos à feira da cidade e em tournée pelo nordeste baiano, chegando até a capital, sempre cobrando módico “ingresso” aos curiosos para verem a fera numa jaula de madeira. Ainda não havia ambientalistas...

Em casa, dona Dalva, sua mulher, continuava sua sina, não com panelas e vassouras, mas com as cobras. Com ou sem a presença do marido. Elas não respeitavam o caçador. Dona Dalva tinha o desagradável dom de atraí-las. E a virtude de ser imune ao veneno delas, que a atacavam sempre à noite, enquanto dormia. Mas quem morria era a cobra. De manhã, se havia cobra morta no quarto, podiam procurar a mordida no corpo de dona Dalva. Ela estava lá. Segundo a contagem de Raimundo, foram 27 mordidas, no mínimo. Nas últimas, o veneno das cobras também já fazia algum efeito, mas moderado – dona Dalva passou a não conseguir enfiar uma linha no fundo de uma agulha e daí em diante sua visão piorou bastante. Mas, em pessoas idosas, isso costuma acontecer, independente de picadas de cobra. O fato é que ela, ao contrário de tantas outras pessoas, nunca precisou recorrer aos estranhos antídotos infalíveis do comerciante Odilon Freitas. Sentada à porta, começo da noite, conversando comigo numa das últimas vezes que estive em Itiúba, falamos dos constantes ataques das cobras. “Eu nem ligo mais”, disse ela, indiferente.

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