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O Cauboi Itiubense

CRENÇAS, RELIGIÕES E SUPERTIÇÕES
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

O Cauboi Itiubense

 

Tudo começou quando nos idos de 1935 a nossa querida Itiúba, tão bela nas formas de relevos serranos, se desligava do domínio político de Queimadas. Com a emancipação ocorrida, os ânimos entre os nascidos aqui e acolá estavam à flor da pele. Como sempre acontece nestes momentos de rixas, surgiu o boato de que estava pronto, naquela localidade, um batalhão de inconformados cidadãos para invadir nossa pacífica e encantadora cidade. A reação foi imediata. Reunido o “Comitê Alerta Cidadãos Itiubenses” decidiu, sem nenhum voto contra, que seria tomada providência radical para cortar o mal pela raiz. Assim, no dia seguinte, apareceu um cavaleiro vestido de preto e montado num cavalo branco, com lenço amarelo no pescoço, chapéu grande de abas largas que cobria seus olhos vermelhos como faíscas de fogo. Era famoso pela alcunha de SOSSEGA-LEÃO. Cumprimentou os transeuntes postados nas calçadas e também às autoridades com ligeiro aceno de cabeça. Com a mão direita disparou três tiros certeiros, arrancando os chapéus de três elementos que se movimentavam com modos suspeitos. Encarou os presentes e falou alto e com bom som que estava ciente das desavenças entre os vizinhos e pedia dois dias para apaziguar os contestadores. Nada exigiu em troca. Este era o seu lema. Matar se necessário for, regressar sem solução não fazia parte do seu eu. Esperou que a fumaça do cano da arma dissipasse pelo ar, esporou sua bela montaria e seguiu rumo sul à cata dos arruaceiros que tencionavam tomar de assalto a sede do nosso pacato município. Dizem que é fato e temos que acreditar.

2ª PARTE

O relógio da Matriz marcava 10 horas. Sol e poeira eram tudo que os ansiosos pais de famílias sentiam naquele instante eletrizante. Uma nuvem agourenta ofuscava a cidade quase deserta. Mas, de repente, o silêncio pesado do medo foi interrompido por um clarão que ocorreu no alto da Serra do Cruzeiro e da Serra da Pedra Montada que logo se encontraram no vazio do vale do Açude Coité. Era o sinal do além para guiar o cavaleiro misterioso que se propôs acabar uma manifestação covarde em nome da paz entre os vizinhos beligerantes.

3ª PARTE

Ao chegar ao rio Itapicuru-Açu, limite histórico entre os dois municípios, apeou e amarrou o cavalo na cabeceira da Ponte do Trem, local que oferecia a melhor vista da área que pretendia visitar. Conferiu seus dois revólveres que trazia na cartucheira presa à cintura e, pensativo, falou para ele mesmo: -Tenho de ser rápido no gatilho e demonstrar, sem causar pânico, que não estou aqui para brincadeira. Após descansar, saiu direto para a Capela de Santo Antônio. Rezou em frente à porta principal e pediu proteção ao Bom Santo que, em épocas distantes, fora injustiçado e condenado por crime que nunca poderia cometer. Esperou e não apareceu ninguém para mandar seu ultimato aos Chefes Revolucionários. Então tomou a rédea do seu cavalo e a pé atravessou toda a cidade até chegar a Estação da Estrada de Ferro. Notou que as casas estavam fechadas. Com certeza um dedo duro avisara quem era ele e seu modo de agir em defesa dos seus princípios de justiceiro. Para não perder tempo, bateu na primeira grande casa que encontrou. Não houve resposta. Um cachorro gordo pulou na grade para intimidar o intruso e foi fulminado com um tiro. Caiu e calou para sempre. Satisfeito, chegou à praça principal e deixou o seu animal pastar. Logo depois foi surpreendido por uma voz distante e esganiçada gritando: - Pega o ladrão... Sem pestanejar, sacou rápida a arma engatilhada procurando localizar o insolente. Não ouviu nada. Fingiu que estava distraído e novamente a voz fanhosa repetiu o insulto. Puxou o revólver e atirou na direção do som. Qual não foi sua surpresa ao verificar que matara um lindo papagaio manso que estava entre os galhos de uma árvore frondosa no meio da Praça. Mesmo decepcionado, ali continuaria para resolver uma pendenga política. Selou seu cavalo e já estava pronto para provocar uma carnificina, quando, viu uma bodega aberta e um sujeito por trás do balcão. Cauteloso foi chegando para perguntar sobre os moradores da cidade. De fora falou grosso: - Ou de casa venha aqui, com as mãos para cima e olhando para o chão, para não receber chumbo quente. Ninguém respondeu. Esperou e deu um passo largo para o lado oposto e atirou no vulto. Ouviu a queda e entrou com a arma pronta para mandar outro para a cidade dos pés juntos. Silêncio total. Aí refletiu que todas as mortes são necessárias, antes que a dita-cuja chegue para ele. Outra surpresa. Não era um homem que derrubou e sim um manequim de alfaiataria, daqueles sem braço, sem pernas e sem bunda.

4ª PARTE

Sempre alerta para cumprir o compromisso como pacificador guiado pela razão e não pelo impulso vingador, pensou numa maneira sem derramamento de sangue para terminar sua missão. Teria de persuadir os componentes do “COMPLÔ QUEIMADENSE”, que desejava o retorno do nosso recém-criado município a Queimadas. Quando meditava o mesmo raio visto nas Serras de Itiúba um dia antes, abrir sua mente e apontou o diagnóstico. Ouviu seu subconsciente dizer: - Você está aqui para proteger quem nasce para a vida e não para liquidar todos. Resolveu então pôr em prática uma ação que nunca falha. Montou e correu todas as ruas atirando para o chão gritando que eliminaria quem ousasse desafiar sua pontaria infalível. Assim procedendo, aguardou pronto para resolver o impasse a qualquer custo. Logo apareceu um grupo formado pelo Vigário, o Juiz, o Coletor e o Prefeito, com bandeira branca nas mãos pedindo paz em nome dos moradores. Sem descer do seu animal, o pistoleiro anônimo concordou. Mas, antes, exibiu sua destreza com as armas, acertando com uma bala o sino da Igreja. Situação que até hoje é relembrada como as badaladas mais lindas já ouvidas naquela paragem. Baixou a aba do chapéu e acenou se despedindo dos representantes do povo local. Prometeu voltar a qualquer momento que o acordo, sem papel assinado, fosse quebrado. Retornou a Itiúba, saindo da cidade pela Calçada de Pedra, bem devagar e sua silhueta desapareceu no horizonte, desta vez com o sol se despedindo no poente de um dia mágico.

FIM

Assim termina a história do nosso herói que, sem matar os desafetos, encontrou a sutileza que caracteriza a formação do povo sertanejo e mostrou o caminho da concórdia, com base numa revelação divina, trocando a ação das armas mortíferas pelas palavras, pondo fim o quiproquó entre os itiubenses e queimadenses, que acreditavam que uma briga pela não consolidação da emancipação política da então Vila de Itiúba era o correto. Todas as lendas precisam ser divulgadas. Podem ser a verdade que Itiúba e Queimadas procuram para compensar os sacrifícios de um cachorro castrado metido a valente, um papagaio desastrado e um manequim desarmado. Talvez seja esta a fórmula de compreender a opressiva indiferença do ser humano quando não analisa os prós e contras.

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