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Lendas, Curas e Crendices

CRENÇAS, RELIGIÕES E SUPERTIÇÕES
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

Lendas, Curas e Crendices

 

Em menino ouvia falar do CARNEIRO DE OURO que passeava nas noites escuras entre as Serras do Esconde e do Encantado, que ficam a sudeste da cidade de Itiúba. Por trás fica a Serra da Tapera com seus achados de potes e caixões cheios de moedas de ouro e prata que, se acredita, foram enterradas pelos endinheirados da época colonial, por não possuírem cofres seguros para guarda das suas fortunas. O Carneiro de Ouro nunca se transformou numa manada, talvez por ser conduzido por um discreto pastor avesso a notoriedade ou celibatário. Como na natureza tudo que não se reproduz em quantidade desaparece no processo seletivo, pode ter sido a causa do seu sumiço. Pensando melhor, a cidade iluminada espantou a enigmática personagem. Não é raro ouvir-se dizer que tudo era pura imaginação dos habitantes por faltar diversão no breu das noites itiubenses. Mas, devemos questionar as razões que determinaram os nomes Encantado e Esconde, como são conhecidas as Serras por onde passeava o vulto misterioso.

Há quem acredite, como verdade, nas lendas transmitidas sem registros, porém, comentadas por gerações. Tem sido assim desde a antiguidade. Alguns episódios ajudaram a moldar as crenças e curas que, por força das repetições, provocaram grandes polêmicas, até mesmo aquelas que ajudaram criar a ficção e outras que semearam o pânico, mesmo na era da informática. As crianças nascidas neste mundo afora, sem parteiras, médicos e higiene, são provas de que o Criador não esqueceu que o ser humano ainda não deu certo, mas, pode vingar, pois, quando deparamos com aquilo que chamamos de belo, que salta aos olhos, encanta e espanta procuramos nos agarrar às forças invisíveis, como lenitivo ou, quem sabe, como agradecimento movido pelo ativismo. São fatos, histórias e lembranças que, propositadamente, colocados aqui, confirmam e destacam a fé do nosso camponês, que vive, convive e vence as maiores dificuldades e são, exatamente, os mais tementes a Deus. Um motivo a mais para fortalecer a tese dos assuntos não compreendidos.

Portanto, crianças, beleza e experiências compõem a mistura sagrada, para as curas inexplicáveis, que vamos mostrar: chocalho de cascavel é amuleto indispensável para quem acredita em mau-olhado. Quando torrado e moído, fervido com café, serve para reumatismo; xixi quente é bom para coceira provocada por atrito da pele com cansanção, urtiga e favela; leite fervido com vela benta queimada, tomado em jejum, cura tosse convulsa mais conhecida no sertão como “tosse braba”; cocô seco de coelho do mato é bom para dores nos olhos; xixi da mesma pessoa com água no ouvido, colocado bem devagar e pulando com a cabeça voltada para o chão, faz o líquido escorrer; cocô seco de cachorro, dissolvido em água quente, é bom para sarampo; alho mastigado com mastruz, alivia os efeitos nocivos da raiva canina [hidrofobia]; Terra molhada, colhida nas grotas, serve para aliviar a dor de picada de cobra.

CURIOSIDADES

Plantas como o Juá-Francês, lá fora é conhecida como Bougainville. A flor Boca de Leão é chamada Graxa nos estados do Sul; Espirradeira tem um nome de mulher: norma. Deve ser por isso que dizem que plantada no jardim da casa a filha mais velha não casa. Sapo-cururu, quando encontra um pote de barro com água em casa, luta bravamente para ali se manter. É enxotado com vassouras e volta logo em seguida. E, sendo assim, quando um visitante demora de sair, alguém comenta, à boca pequena, igual ao “cururu de beira de pote”. Melhor observando depara-se com muitas vertentes, com diversos costumes e religiões diferenciadas que, há séculos, numa mesma região, deixou desconhecimento sobre os assuntos acima tratados. Quem hoje precisa explicar o inexplicável, verifica que falta nas crendices a avaliação segura da verdade, portanto, prevalece a visão dos tempos onde a cultura se apoiava no mítico e que se repete nos lugares onde não existe história e nada tem para contestar.

CRENDICES

Ainda tem quem acredite no “Rasga-Mortalha” que, ao voar nas noites de lua cheia, nos céus de Itiúba, de uma serra a outra, no sentido leste a oeste, com o seu ‘canto-agouro’ que parece o rasgar de um pano forte. A crendice popular associa o sobrevoo da AVE-MALDITA sobre uma casa à má notícia futura a ser recebida pela família moradora da residência. Assunto tabu era o enterro do suicida que não tinha o direito universalmente consagrado de uma cova digna. É lembrado que o enterro ia até o portão do cemitério e não tinha permissão para ultrapassar este limite. Sua cova era cavada fora dos muros e ali o infeliz era enterrado, sem velas e flores. Algumas pessoas não acreditam em MAU-OLHADO, porém, muitas outras adiam planos pessoais para não azarar. Tem quem nada faça sem antes pronunciar um BENZA DEUS com fé, para espantar o OLHO GRANDE. Nosso imaginário alimenta as crendices vindas de tempos remotos, razão do também chamado OLHO GORDO, que poucos indivíduos se quer falam sobre o assunto. Uns usam patuá, crucifixo, medalha e até pé de coelho no pescoço para abrir caminhos. Como não custa nada acreditar e diante de tantos malvados de plantão, é mais fácil balançar as pulseiras de figas e apelar para o seu anjo de guarda, que pegar um MAU-OLHADO de graça quando não estamos protegidos das pessoas conhecidas como “olho de seca pimenteira”. Falam que OLHO GORDO é pura inveja do maldoso que deseja atrasar os que se destacam na sociedade. Cobiçam a felicidade daquele que enfrenta a vida. Tem quem chame “quebranto” tudo que tira o prazer e alegria. Já ouvimos dizer que o nosso campo energético somatiza e produz dois forças que são: o bem e o péssimo. Neste clima pesado do mundo, com seus enigmas e temores, tudo é válido diante da fragilidade da vida, portanto, vamos comer romã e dar sete pulinhos com fé para a vencer os agouros e alimentar os nossos sonhos como amparo aos maus fluidos, também, limpar a casa com sal grosso, tomar banho de folhas, acender velas, pular num pé só iniciando com o direito, para atrair coisas boas e afugentar os maus espíritos. Pelo sim ou pelo não, um ramo de arruda, guiné, comigo-ninguém-pode, espada de são Jorge, água benta nos cantos da casa e fita vermelha no pulso, sem dúvida é um reforço indispensável, nestes tempos bicudos de hoje.

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