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O Menino Nu

COMPORTAMENTO
Autor: Herbert Pinto de Carvalho

O Menino Nu

 

A rígida sociedade dos anos 50 exigia que todos os filhos pobres ou remediados ajudassem nos serviços caseiros. Meninos faziam entregas, eram aprendizes de alfaiates, sapateiros, marceneiros ou ajudavam em armazém, ou loja de tecidos. Os pais não exigiam remuneração. Importante era aprender e ter responsabilidade em tudo que fizessem. O patrão gratificava oferecendo um magro dinheirinho que podia ajudar nas despesas da família ou servir para compras de roupas, sapatos e ir ao circo ou cinema com seus amigos ou seus irmãos. Hoje é condenada essa prática. Menor não pode trabalhar, mas pode perambular pela cidade a qualquer hora do dia ou da noite. É a verdade nua e crua. E, por falar em nu, vamos ao nu do menino Morgado.

Morgado era o filho mais velho de Dona Dedela, uma mulher corajosa e sempre disposta a enfrentar a vida com ou sem sacrifícios. Ela era doceira, especializada em aproveitar as frutas produzidas nas serras nos arredores da cidade, como manga, banana, jaca, jabuticaba e umbu. Também desempenhava muito bem o trabalho de engomadeira para complementar a renda familiar. Como dizem em Itiúba: filho de homem ou mulher que trabalha muito nasce cansado. Parecia que assim seria o Morgado.

Quando sua mãe era obrigada a sair de casa, recomendava para ele varrer, arrumar isso e aquilo. Ele tudo fazia apressadamente e quando ela regressava as tarefas não estavam a contento. Colocava o garoto de castigo por não cumprir suas obrigações. Com o tempo ele aprendeu a lição. Ajeitava tudo como podia e saía à procura dos amigos para brincar.

Quando sua sacrificada mãe perdeu a paciência, ao sair deixava o coitado completamente nu para ele não fugir. Trancava as roupas no baú e saía. Daí apareceu o fantasma do Menino Nu que corria e se escondia entre as plantações de palmas e capim que eram comuns nos fundos das casas. E, para não ser reconhecido, usava qualquer disfarce, como chapéu e “tapa-sexo” de folhas verdes abundantes no seu caminho em direção à casa dos meus pais. Quando alcançava o muro gritava: - Huguinho e Herbinho venham aqui. Tragam qualquer coisa para eu vestir.

Socorrido, brincava até tarde quando calculava a exata hora de sua mãe regressar. Voltava pelo mesmo trajeto acompanhado dos dois inseparáveis amigos, que trariam de volta as roupas emprestadas. Tudo em sigilo para não estragarem as traquinagens do amigão.

Moral da história: filhos criados com carinho e dedicação que tenham trabalhado quando menores fugindo nus para brincar com seus amigos podem se tornar homens responsáveis, bons pais de família que trabalham e se aposentam com dignidade. Se tudo valeu para ele não só os pequenos castigos e sua fuga nu para brincar, certamente o fantasma itiubense de fundo de quintal ainda aguarda outros atrevidos mirins para completar a cena.

 

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