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A Chuva de Pedras
COMPORTAMENTO
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

A cidade de Itiúba, encravada no sertão baiano onde a chuva é escassa, se viu, naquele ano, à beira de perder uma de suas maiores tradições. Por razões políticas, corria o risco, pela primeira vez, de o Carnaval – festa que sempre acendeu o espírito da comunidade – não ser realizado. Inconformados com a ameaça de ver desaparecer o seu momento de celebração, os rapazes da cidade – eu incluso – uniram forças para defender a festividade.
Em uma reunião vibrante, decidimos que a melhor forma de protestar e reafirmar nosso amor pelo Carnaval seria espalhar faixas pela cidade. Cada integrante do grupo criou sua própria mensagem, pintando a faixa com frases que exaltavam a festa e denunciavam o cancelamento iminente. Embora eu não lembre exatamente qual frase produzi, jamais esquecerei a do meu amigo Jímis, que parecia ter lido o futuro: "Itiúba é boa e bela, mas sem Carnaval gela."
Mesmo com a mobilização e a campanha popular, o tão esperado Carnaval acabou sendo realizado – mas o clima já havia se transformado. Itiúba “gelou” muito antes do começo da festa. Com as faixas expostas em cada esquina, logo se instaurou uma aura de expectativa que se misturava com o suspense do desconhecido.
No dia seguinte, estávamos em frente ao Armazém do Banduca, observando o pessoal jogar gamão, quando, de repente, o céu escureceu por completo. Uma enorme nuvem negra desceu sobre a cidade, lançando sombra e pânico. A comoção foi tanta que, num ímpeto de instinto, todos se recolheram apressadamente para o abrigo do armazém.
Eu, que já me encaminhava para casa, fui obrigado a buscar refúgio na Loja do Sr. Josias. Assim que adentrei, Manelito, o gerente atencioso, fechou as portas e, em poucos instantes, fomos tomados pelo som ensurdecedor das pedras de gelo batendo com força no telhado e nas pesadas portas de ferro. Ficamos ali, em silêncio, apreensivos e sem compreender o que se passava, já que nenhum de nós jamais presenciara uma chuva de granizo tão intensa.
Quando o barulho cessou, abrimos uma das portas com cautela e nos deparamos com uma rua coberta de inusitadas pedras de gelo. Apesar do medo que ainda persistia, não conseguimos conter um misto de alívio e até alegria diante daquele espetáculo surreal – afinal, em Itiúba, chovia tão pouco que até uma “chuva de pedras” se tornava motivo para festa. Procurei o Bar do Zé Dantas, que ficava bem próximo, e lá pedi uma vodca com limão. Aproveitei até a ironia do momento: apanhei algumas das pedras de gelo que jaziam no chão e as encarei como um ingrediente inusitado da minha caipirosca com "água gelada do céu".
Não demorou para que os moradores começassem a surgir pelas ruas. À medida que o temor dava lugar à calma, as histórias e exageros se espalhavam: um dizia ter testemunhado uma pedra de vinte quilos caindo perto de sua casa; outro afirmava que uma pedra atingira a cabeça de um jegue, causando seu fim instantâneo; e por aí vão as demais narrativas, muitas vezes tão fantasiosas que mal mereciam ser registradas.
No dia seguinte, corria o boato de que um dos jogadores de gamão passara o tempo todo agachado, com as mãos encobrindo o rosto, até que, num acesso de pressa, saiu correndo assim que a chuva cessou. Logo depois, o faxineiro teve um verdadeiro desafio na tarefa de limpar o local onde ele se encontrava.
Ao refletir sobre tudo, pode parecer que a reação da população foi desmedida. Porém, para nós, que jamais havíamos presenciado uma chuva de granizo, cada instante daquele dia teve o peso de um acontecimento único – um episódio que eternizou o espírito resiliente e a paixão por celebrar a vida, mesmo diante do inesperado.
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