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Rotina do Cine-Itiúba antes da Exibição

CINEMA
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

Rotina do Cine-Itiúba antes da Exibição

 

As noites de quinta-feira no Cine-Itiúba tinham um charme próprio, um misto de expectativa e rotina que preenchia o ar da cidade. Era um dos poucos lugares onde o cotidiano ganhava cor e movimento. Cheguei ao cinema às 18h50min, preparado para assumir meu posto na bilheteria, como de costume. O filme da vez, “A Estrada de Santa Fé”, estrelado pelo lendário Errol Flynn, prometia atrair o público animado que sempre tinha um lugar cativo nos westerns.

A chegada no cinema era um ritual. Lá estava Zezito, sempre pontual e eficiente, administrando e cuidando da entrada com aquele ar de porteiro que sabia tudo sobre todos. Pouco depois veio o baleiro Lalau, figura indispensável, carregando seu cesto repleto de tentações: caramelos, pastilhas, passas, barras de chocolate e os inesquecíveis chicletes Adams. Ele era o único com permissão de vender dentro da sala de exibição, uma concessão exclusiva de D. Pombinha, sogra do proprietário do cinema. A chegada do Lalau sempre era acompanhada por um burburinho, enquanto os primeiros frequentadores começavam a se aproximar.

Os espectadores do Cine-Itiúba eram tão importantes quanto os filmes exibidos. Neném do Aurélio e seu irmão Bebinho, verdadeiros “especialistas” em filmes de cowboy por morarem em Salvador, marcavam presença com suas histórias sobre as produções que já tinham visto. O pequeno grupo de ouvintes, reunido à frente do cinema, ouvia cada palavra com admiração. E claro, não podia faltar o Mudo da Varzinha, personagem icônico. Com suas mímicas e brincadeiras, ele divertia o público e ainda tentava passar por primo do proprietário para garantir sua entrada gratuita.

Às 20h15min, tudo se alinhava. Almir, o responsável pelos alto-falantes, fazia as sirenes ecoarem para avisar que a sessão estava prestes a começar. Bertinho, lá do fundo, assumia seu posto na cabine e ligava o projetor Bell Hower com maestria, dando início aos trailers dos próximos filmes e aos desenhos animados da série “Looney Tunes”. Era um aperitivo que prendia o público na cadeira, até que o filme principal finalmente começasse.

O final da noite tinha sua própria coreografia. Após o término da sessão, o filme era rebobinado com rapidez para que estivesse pronto para sua jornada de volta a Salvador, transportado pelo trem das 22h. Isnar, o encarregado dessa missão, cuidava de entregar a película ao portador com uma pontualidade impecável. Zezito, no encerramento, fechava as janelas, apagava as luzes e trancava a porta de ferro da entrada. Cada um de nós, então, se apressava para casa antes que o “motor de luz” fosse desligado, trazendo o silêncio definitivo.

 

O Cine-Itiúba era muito mais do que um simples cinema. Era um ponto de encontro, um palco onde as vidas se cruzavam e se desenrolavam entre o flicker das imagens e o som das sirenes. Cada noite ali tinha sua história e sua magia, e hoje, ao recordar esses momentos, é impossível não sentir um misto de nostalgia e gratidão por ter vivido parte dessa encantadora cena.

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