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A Mais Chata Sessão de Cinema

CINEMA
Autor: Ivan Lemos de Carvalho

A Mais Chata Sessão de Cinema

 

Fins de 1959. Minha turma nos Maristas de Senhor do Bonfim estava se preparando para a solenidade e a festa de conclusão do curso. Naquele tempo, concluir o curso de ginásio ainda não era rotina na paupérrima região do nordeste baiano. Estava resolvido que solenidade e festa seriam coisas finas e era preciso arrumar algum dinheiro para fazer brilhar a fogueira das vaidades. Então surgiu a ideia de conseguir um filme bom para exibir. Conseguiu-se o filme, acho que os Irmãos Maristas conseguiram, uma obra-prima japonesa lançada havia pouco tempo, Os Sete Samurais.

E decidiu-se levar o filme a Itiúba. Eu e mais dois colegas, Carlitão e Daltônio, fomos encarregados dessa empreitada. Acertamos, ou alguém acertou por nós, com o dono do cinema, Humberto P. de Carvalho, Bertinho, ou algum representante seu, a exibição – os 44 anos e meses passados apagaram alguns detalhes da minha memória. A Rádio Cultural de Itiúba foi acionada e bombardeou o público ouvinte com propaganda suficiente para fazer com que o cinema ficasse apinhado de público pagante.

Começou o filme. Sete samurais – guerreiros profissionais – resolveram ajudar a população de uma localidade paupérrima a resistir a um grupo de homens maus. Mas o que se destacava na tela na projeção em preto e branco eram, sem concorrência, bundas japonesas (todas, sem exceção, bundas de homens, detalhe que, me parece, irritava sobremaneira boa parte da plateia) com a nudez disfarçada por aqueles ridículos calçolões tipo fio dental de lutadores de sumô. Tenho a impressão que a “população local” jamais vira no cinema coisa tão absurda... Não havia um tiro, sequer um humilde “mãos-ao-alto”. Eram somente bundas e mais bundas à mostra e luta com uns varapaus, tudo isso, pelo que me lembro, numa paisagem que pouco diferia de uma pocilga. Lama era o que não faltava. Murmúrios de desaprovação ouviam-se, cada vez mais frequentes e menos discretos, em toda a plateia. Alguns poucos não suportaram e se retiraram antes do final. A maioria aguentou, acho que por gentileza, até o fim. Mas uma coisa era voz geral na saída: “Que filme chato...”. Ouvia-se e via-se no semblante de cada um. Acho que dessa avaliação escaparam apenas meu pai e minha mãe (talvez por piedade, eu não descarto isso) e mais umas dez pessoas de gosto supostamente mais requintado ou que quiseram afetar superioridade cultural. Eu, nos meus 15 anos, observando as reações que inviabilizavam o sonho de uma segunda exibição, polemizava comigo mesmo, tentando justificar-me. “Ora, é uma obra-prima… mas que chatice!” Depois, Hollywood lançou uma adaptação de Os Sete Samurais para o ambiente western. Sete Homens e um Destino. Era um plágio. Mas tinha revólver, rifle, cavalo, essas coisas. Foi um sucesso total, entrando para a lista de clássicos do gênero. 

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