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Monopólio Quebrado

CARNAVAL
Autor: Ivan Lemos de Carvalho

Monopólio Quebrado

 

Quando criança, meus carnavais em Itiúba restringiam-se a assistir, à tarde, os desfiles de carros alegóricos sob a grife da Sociedade Filarmônica União 2 de Julho e, uma ou outra vez, torcer na disputa pela rainha do carnaval. Como muitas vezes ocorria e ainda ocorre bastante nas eleições dos políticos, a eleição para rainha e princesas (segundo e terceiro lugares) era feita na base da venda e compra de votos. A candidata que, com a ajuda de seus adeptos, mais conseguia vender votos, elegia-se rainha. O dinheiro servia para custear o próprio desfile. As pessoas apenas olhavam e batiam palmas. Rainha e princesas, pela imobilidade, pareciam estátuas. A disputa mais renhida ocorreu em 1954, se não me trai a memória. Elegeu-se Rainha Cleide Carvalho, com outra bela jovem chamada Valdemarina, como primeira Princesa. A segunda Princesa que perdoe meus neurônios gastos. Outro detalhe é que sob a grife do Clube Ferroviário, apropriadamente sediado próximo à estação de trens, também se promovia um muito mais modesto desfile – às vezes, apenas um barco furado, melhor dizendo, sem fundo, dentro e em torno do qual, com um ‘jazz’ notoriamente incompleto, rebolava, animado, outro estrato social. Mas tudo isso que acabei de escrever é o que os jornalistas chamam “nariz de cera”, uma conversa mole antes de entrar no assunto principal – coisa, aliás, altamente condenada no jornalismo.

O assunto principal é que o meu primeiro carnaval de verdade, “participativo”, como diria o PT, foi o de 1956. Anterior ao Estatuto do Idoso, a música mais tocada do ano foi uma que começava assim: “O velho barrigudo metido a sapeca...” Eu tinha 12 anos. Devia ser também esta a idade do primo Valmir Simões e de Jorginho Valadares, um sobrinho do comerciante e político, depois prefeito, Antônio Simões Valadares. O Jorginho tinha um pai chamado Ernani e morava em Salvador, era mais “moderno”. Resolvemos que, além de brincar no clube 2 de Julho à noite, onde rolava um lança-perfume adoidado (o adoidado Jânio Quadros ainda não chegara à presidência para proibir), estaríamos no “cordão” que percorria a cidade de manhã e início da tarde (naquele sol!).

Mas como estaríamos? – De negrinha! – Disse Jorginho. – Vamos sair fantasiados de negrinha. Naqueles tempos, ainda não haviam descoberto que certas palavras eram politicamente incorretas. Não me lembro como, mas logo surgiram, numa discreta magia, saias, blusas, lenços de cabelo, batom, ruge, bolsas, brincos, o escambau. Tudo devidamente testado e aprovado na casa de Valadares. E fomos à luta. Acredito que duas pessoas ficaram desagradavelmente surpresas naquele dia, domingo de carnaval. Mas só tenho certeza de uma. Meu pai. Quando cheguei da farra, ele estava indignado. Quase nem tinha palavras – e acho que isso foi bom. Pior é se a indignação não o levasse a encurtar o sermão. O pai de Jorginho, pelo jeito deste depois, não deu a mínima. Zé Simões, pai de Valmir, aprovava com entusiasmada admiração quase todas as diabruras que o filho armava. As restantes, ele deixava para lá. Mesmo assim, desconfio que houve o segundo descontente. Edmar Azeredo, o Teia, que, como já lembrou o Fernando neste site, se vestia de mulher (acho que não era de negrinha, era coisa de mais ousadia) em todos os carnavais. Nós, naquele ano, lhe quebramos o monopólio. 

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