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A Corrida Maluca

BRINCADEIRAS
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

A Corrida Maluca

 

Tudo era válido. Menos perder. Podia cair, usar qualquer artifício para aumentar a velocidade. Na maluca corrida, cada engenhoca descia a ladeira-pista com o seu condutor sentado, com os pés apoiados no suporte das rodas dianteiras segurando uma corda para manobrar o bólido, que não dispunha de freio ou qualquer coisa semelhante. Para diminuir a disparada, ladeira abaixo, o chofer encostava o pé direito ou esquerdo em uma das rodas dianteiras e, com este atrito, fazia com que nas curvas o carro se mantivesse na linha. A disputa tinha suas regras não escritas.

Um veículo de cada vez era autorizado a percorrer todo percurso. Os outros aguardavam sua hora. Quebrou, virou ou parou, estava desclassificado. O segundo entrava em ação. Existiam três pistas. Tinha a chamada “quebra-carro” que começava no topo do Alto do Vintém e terminava no Riacho do Coité que fica antes da linha do trem. Outra ficava na ladeira da “Calçada de pedra” considerada a mais perigosa pela distância a ser corrida, como era e é até hoje a entrada norte da cidade, com movimento de tropas de animais de cargas e boiadas. A menor era reservada para os principiantes. Ficava do lado da Serra da Pedra Montada. Tinha seu início na casa do Sr. João dos Santos e acabava depois da casa do Sr. Deocleciano Brandão.

Em todas, o tempo era medido assim: um juiz ordenava a partida no grito e anotava o nome do corredor. O outro Juiz fiscalizava o comportamento do veículo na descida e apitava quando o carro cruzasse um risco no chão que era o ponto de chegada. Com o aviso através do apito, o Juiz da largada conferia o seu relógio e anotava os minutos gastos entre o “grito” e o “apito”. Portanto, valia tudo para chegar rápido. Quando por qualquer motivo os Juízes não chegavam a um acordo, os dois mais bem colocados voltavam ao topo da ladeira para disputarem a “negra” (desempate).

Lembro bem de quatro “ases”. Waltinho, o criativo, sempre com novos recursos para superar os seus adversários. Usava rodas forradas de borracha de pneus velhos de bicicletas, eixo de madeira dura, como “pitiá”. O Evilásio, que empregava sua inteligência inovadora e examinava pessoalmente todo trajeto da pista. Quando encontrava uma pedra saliente quebrava um galho verde e assinalava o perigo. Com essa curiosidade vencia a corrida quando ninguém esperava. O Caio contava com seu pai de criação que era marceneiro e aparecia com rodas reforçadas e maiores. O Zé da Cabocla, este não tinha “papai” para ajudar, mas, contava com a torcida por ser o mais arrojado. Nós os amantes da corrida cooperávamos financeiramente para ele ajustar a sua “máquina”, uma geringonça feita de madeira. Ferro só pregos e parafusos. Com certeza para chegar lá embaixo precisava contar com a ajuda de Deus. Tudo girava em torno de enduro sem patrocinadores, com pilotos sem nenhuma proteção. Contudo, não havia trapaças. Havia, sim, muita garra e competência.

Desconheço quem primeiro inventou essa categoria de carro e muito menos quem pensou em utilizar veículo tão frágil numa corrida. É provável que o idealizador nunca pensou que seu utilitário para transportar compras em pequenas distâncias chegasse a tanto. São os gênios que pensam, os artistas que descobrem para que serve e o povão sempre encontra algo para matar o tempo nas distantes tardes de domingo itiubense.  

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