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A Avenida Getúlio Vargas, os Velhos Paralelepípedos e o Novo Asfalto

BAIRROS, RUAS, PRAÇAS E LADEIREAS
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

A Avenida Getúlio Vargas, os Velhos Paralelepípedos e o Novo Asfalto

 

Os paralelepípedos da antiga avenida, agora silenciados sob várias camadas de asfalto, guardam, bem escondidos, os vestígios de uma época. Quem sabe por séculos, esses testemunhos de pedra conservarão os registros dos passos que dei, dia após dia, quando atravessava aquele chão em meu trajeto rotineiro. Ali, onde vivi quase metade da minha vida, estão impressas as marcas das fases mais preciosas da minha existência: a infância, repleta de descobertas e brincadeiras, e a juventude, cheia de sonhos e vigor.

Esses paralelepípedos, além dos meus passos, carregam as pegadas de nossos pais, figuras emblemáticas da vida cotidiana, que caminhavam indo e vindo das residências aos seus locais de trabalho. Eram jornadas que garantiam o sustento de suas famílias, geralmente numerosas, como era comum naquela época de valores tão sólidos quanto as próprias pedras que pavimentavam a cidade.

Os passos do prefeito Belarmino, do delegado Tibério, do farmacêutico Soares e dos comerciantes João e Antônio de Castro, Carlos Pires, Ricardo Benevides, Augusto Moura, Edmar, Banduca, Josias, Cícero, Joanito, Zé Dantas, entre tantos outros, ainda ecoam na memória, perpetuados sob o asfalto, que insiste em anunciar o avanço do progresso.

Além disso, ali também estão as marcas de momentos coletivos que moldaram a alma da cidade: a multidão reunida nas celebrações religiosas da Praça da Matriz; a vibração do povo na antiga feira livre dos sábados; o entusiasmo das crianças na marcha do Dia da Independência; o burburinho do público indo ao Cine-Itiúba para mais um grande sucesso; e as festividades, cada qual com sua história: os carnavais de rua, os cortejos da procissão da Padroeira, a queima do Judas no Sábado de Aleluia, as danças do Boi-Bumbá e as graciosas apresentações da Mulinha do João Martins.

Até mesmo os momentos de pura infância e cultura, como as correrias durante as festas juninas ou as brincadeiras ao redor das fogueiras de São João, deixaram rastros naquelas pedras. Esses eventos, impregnados de vida e tradição, agora descansam sob as camadas de asfalto que cobrem o passado, com a pretensão de trazer progresso à cidade.

Quem sabe, daqui a alguns séculos, quando o progresso exigir mudanças e o sistema asfáltico - então defasado e obsoleto - for substituído por uma nova tecnologia de pavimentação, arqueólogos e especialistas possam recuperar esses testemunhos esquecidos. Talvez a tecnologia avançada permita que identifiquem até mesmo os autores das marcas deixadas ali pelas pessoas que viveram na charmosa e aprazível Itiúba do século XX. Assim como hoje analisamos papiros egípcios e tabuletas de argila dos antigos sumérios, o chão da nossa história poderá revelar segredos fascinantes de quem fomos.

 

Ah, se ainda morasse lá! Faria todo o possível para recuperar um paralelepípedo da antiga avenida, uma peça repleta de memórias, como símbolo dos tempos felizes e das histórias que vivi na inesquecível cidadezinha chamada Itiúba.

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