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O Severo Guardião da Cacimba

AÇUDES, RIOS, RIACHOS, TANQUES E CACIMBAS
Autor: Fernando Pinto de Carvalho

O Severo Guardião da Cacimba

Há tempos, a cidade tinha um riacho que era mais lenda do que realidade. Um riacho temporário, desses que só dão as caras quando a natureza se entusiasma e faz a Barragem do Coité "sangrar". E como essa sangria demorava! Às vezes, anos se passavam e nada do riacho correr. Mas quando ele finalmente chegava, era como se a cidade recebesse uma visita há muito esperada, com direito a festa e muita gritaria – ao menos da criançada.

O riacho trazia vida, histórias e confusões. E as crianças? Ah, essas não perdiam tempo. Escondidos dos olhares atentos dos pais, disparavam em direção às cacimbas, como se participassem de uma corrida olímpica. Havia três cacimbas que competiam pela preferência: a do Dr. Napoleão, a do Cazé e, claro, a famosa cacimba do Sr. Ademir Simões, que, diga-se de passagem, era a estrela do pedaço.

A cacimba do Sr. Ademir era a mais cobiçada. Grande, funda e com um jeitão de piscina natural, era praticamente uma joia rara no meio do riacho. Mas, como toda boa história de infância, havia um detalhe: o Sr. Ademir era o guardião severo desse paraíso aquático. Proibido mergulhar ali, ele dizia! E, para reforçar a ordem, morava perto, sempre à espreita. Quando avistava um bando de moleques ousando desafiar suas regras, o homem fazia tremer a paz com tiros para o alto, empunhando um bacamarte que parecia ter saído de algum museu de guerra.

Diziam – ah, como adoravam dizer! – que o bacamarte estava sempre carregado com sal grosso, só esperando um traseiro rebelde para acertar. Mas, verdade seja dita, nunca se ouviu falar de alguém que tenha saído de lá com marcas do tal sal. No fundo, o Sr. Ademir não passava de um espantalho humano, daqueles que assustam mais pela aparência que pela ação.

 

Ainda assim, era o suficiente para fazer a turma fugir em disparada, rindo, tropeçando e prometendo voltar no dia seguinte, porque era exatamente isso que faziam. E assim, entre tiros para o alto e banhos proibidos, o riacho temporário deixava sua marca. Hoje, talvez ninguém saiba dizer exatamente quando ele correu pela última vez. Mas, se fecharmos os olhos, ainda podemos ouvir os gritos das crianças, o barulho das águas e, claro, o som inconfundível do bacamarte do Sr. Ademir, guardião das cacimbas e dos segredos da infância.

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