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Cacimbas, Açudes e Chafarizes

AÇUDES, RIOS, RIACHOS, TANQUES E CACIMBAS
Autor: Humberto Pinto de Carvalho

Cacimbas, Açudes e Chafarizes

 

Uma das grandes dificuldades iniciais, quando da transformação de vila para cidade, nos idos de 1935, foi como abastecer a população sempre crescente, na sede do novo Município de Itiúba, localizada entre as Serras do Cruzeiro e da Pedra Montada, principalmente porque tendo um solo salgado, suas águas subterrâneas não prestavam para beber.

Quem fez o antigo curso primário no Colégio Góes Calmon, situado na Rua da Estação, lembra que, em frente ao velho prédio escolar, havia um poço perfurado para abastecer os tanques da escola que pouco tempo depois ficou imprestável. Era tão ruim que nem os animais que pastavam por perto bebiam da sua água.

Por necessidade, foram feitas outras tentativas a procura de novas fontes. Quando encontravam água a alegria durava pouco. Na grande maioria das vezes a água ficava imprestável para consumo. Das muitas cacimbas cavadas restaram a Cacimba do Vintém no pé da Serra do Cruzeiro e outra ao lado da Laje Grande. Algumas foram propositadamente entupidas para dar lugar às construções de casas residenciais. Hoje os ambientalistas de plantão não permitiriam esse crime ecológico. Embora salobras, as águas das fontes foram aproveitadas para lavagem de roupas, para banhos e até para cozinhar. A chamada Cacimba do Vintém, ainda ativa, sofre com a improvisação de uma lavanderia popular construída e abandonada pela Prefeitura. Uma obra com um bom começo e um péssimo fim.

Outras cacimbas estão até hoje na lembrança da garotada da época. Cacimbas do Mendonça, do Valadares, de D. Zefinha do Correio, do Casé, do Filó, do Aristides, do Barbosa, da Olaria, todas ao longo do Riacho do Coité, que nasce na Serra do Adro da Igreja e desemboca no Açude do Jenipapo. Algumas ficaram famosas pelas suas dimensões e profundidades. Curiosa era a do Filó, dividida ao meio com uma cerca de arame farpado que limitava as propriedades do Sr Filadelfo Damasceno e do Sr. Zezinho Alves. Quando cheias formavam uma só cacimba que era a de maior extensão. A brincadeira dos banhistas de então era ver quem conseguia amarrar um pedaço de pano no arame da cerca perto da lama. Poucos ganharam este prêmio.

Todas elas tinham seus encantos e seus mistérios. Vamos começar com a “do Mendonça”. Corriam boatos, com fundo de verdade, que o vaqueiro recebia ordem para jogar galhos de “calumbi-unha-de-gato” e mandacaru na água para, assim, evitar, que os banhistas turvassem as águas e os seus animais não pudessem beber. Logo adiante a “do Valadares”, a mais liberada, sem nenhum empecilho para banhos. O dono só tomou algumas medidas proibitivas quando um garoto que não sabia nadar se jogou na parte funda da cacimba e não voltou à tona. Logo depois do triste acontecimento, ele mandou cercá-la e designou o seu empregado de nome Berega para ficar sempre por perto. A de D. Zefinha do Correio estava sempre envolta com assombrações. Ela anunciava, para intimidar a garotada, que nas suas margens existia uma cobra-preta, muito grande, que vigiava tudo. A do Casé, não se prestava para os longos banhos. Era rasa e cheia de capim. Diziam que a mesma cobra-preta, passeava por lá, nas horas de sol quente. A do “Aristides” era a mais bonita, a mais funda, sem muitos mistérios. O único impedimento para os banhos era ficar nu. Respeitado essa regra, o banho era o melhor e o mais demorado. Quando alguém caía na água nu vinha o Seu Ademir, filho de Seu Aristides e carregava as roupas. O castigado banhista ficava aguardando a boa vontade do “carrasco”, até que passadas horas, ele aparecia e devolvia tudo e repetia:

- Na próxima vez que isso acontecer darei as roupas para os pobres.

Existia a “do Barbosa”, sem restrição por parte do dono. Tomar banho podia ou nu, ou de calção. Vinham, em seguida, as cacimbas da Olaria do seu Manoel Pinto. Muita água barrenta que deixava nos corpos dos nadadores uma espécie de pó branco, sua marca registrada. Todas elas perderam os seus mistérios. Hoje não se encontra nenhum menino itiubense ansioso, aguardando os açudes do Coité e da Calçada de Pedra sangrarem para encher as cacimbas. Todas as casas têm água encanada e chuveiros. É o conforto e a segurança que retiraram dos meninos pobres, ricos e remediados da nossa terra o verdadeiro espírito de aventura, tão bom que sentimos saudades.

Ao relembrar o que de bom representavam as cacimbas, não se pode esquecer os primeiros chafarizes instalados na cidade, assim como o famoso Tanque da Nação que continua lindo, embora, sem receber os cuidados que merece por sua localização e beleza em pleno centro da cidade. Quero esquecer que certa ocasião alguns insensatos anunciaram que o Tanque era apenas um foco de muriçocas e deveria ser entulhado. Porém, é bom lembrar aos itiubenses de bom senso que é da nossa responsabilidade manter aquele símbolo histórico. O velho Tanque da Nação é um dos poucos marcos ligados às nossas origens e assim deve continuar. Não é destruindo que se constrói a imagem de uma cidade.

Com a emancipação política em 1935 e o crescimento da população que clamava por melhorias, se fez necessário aumentar a capacidade do Açude do Coité, que fica a três quilômetros de distância. Concluída a obra em 1960, o reforço da barragem garantiu abastecimento para os dois chafarizes instalados na cidade. Um na Rua Jacobina que, não sei a razão, funcionou por pouco tempo, e o outro que ficava no início da passagem de acesso ao Alto do Vintém, perto dos trilhos da estrada de ferro. Eram alimentados com a água do aludido Açude, que fluía por gravidade, por uma precária rede de canos de PVC. Não havia nenhum tratamento, pois as autoridades sanitárias pouco ou nada faziam nessa área. Hoje se sabe que aquelas águas são infestadas pelo caramujo hospedeiro da esquistossomose que provoca a doença popularmente conhecida como “barriga d`água”. Os chafarizes prestaram um bom serviço numa época em que água boa e doce em Itiúba era artigo de luxo. Suas filas ficaram na história, gritos, empurra-empurra e “disse-me-disse” faziam parte do cotidiano das pessoas que aguardavam sua hora para encher suas latas de vinte litros e retornarem às suas casas. Sabiam que teriam de voltar nos dias seguintes, por isso não brigavam. As máquinas movidas a vapor/lenha que conduziam os trens eram, também, boas fornecedoras de água doce, mas, tudo dependia da boa vontade de cada maquinista. Alguns tinham namoradas na estação e somente para elas abriam as torneiras.

 

 

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